O suicídio é um assunto que acompanha a história da humanidade, tendo adquirido diferentes valores e significados conforme a cultura e o momento histórico, podendo ser visto como um ato de covardia, vergonha, motivado por intenso sofrimento, ou mesmo como um ato altruísta que envolveu honra e coragem. Podemos encontrar relatos na Bíblia nas histórias de Sansão, Saul e Judas Iscariotes, na tragédia mais famosa da literatura “Romeu e Julieta” de Shakespeare, nos relatos da Segunda Guerra sobre os pilotos kamikazes, no denominado “suicídio racional ou filosófico” associado a casos como o de André Gorz, Laura Marx e Paul Lafarguebe, e nas histórias de diversas celebridades como Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Chester Benningyon e Robin Williams. Mas, afinal, o que pode levar uma pessoa a cometer suicídio? Quais são os fatores de risco e proteção? O que dizer a uma pessoa que expressa o desejo de se matar? O que fazer se você possui pensamentos suicidas? Essa postagem busca discutir o assunto e prestar alguns esclarecimentos sobre o tema.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2014) mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, sendo que no Brasil (MINISTÉRIO DA SÁUDE, 2018) 11 mil pessoas tiram a vida anualmente. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (2018) a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo. Isso considerando que não existem registros internacionais oficiais sobre tentativas de suicídio, embora estima-se que apenas cerca de 25% das pessoas que tentam se matar busquem atenção médica, permanecendo a maioria das tentativas de suicídio não registrada ou relatada, sendo que, até mesmo os suicídios podem acabar sendo registrados como acidentes ou mortes por causa indeterminada. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000).
Em 1999 a OMS lançou o SUPRE (Suicide Prevention Program), uma iniciativa mundial para a prevenção do suicídio. Em 2003 a OMS e a IASP - Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio estabeleceram o dia 10 de setembro como Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018).
O suicídio em nosso país é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, sendo a terceira maior causa em homens e a oitava maior causa em mulheres. A maioria de tentativas de suicídio é entre mulheres (69%), entretanto, são os homens que possuem taxas maiores de mortes por suicídio (79%). É recomendado pela OMS (2000) não se referir ao suicídio através de termos como “teve êxito” ou “tentativa bem/mal sucedida”, mas apenas como suicídio consumado.
Segundo o CVV - Centro de Valorização da Vida (2017) morrem por dia 32 brasileiros vítimas de suicídio. Os meios mais utilizados em nosso país para o ato são: enforcamento em primeiro lugar, envenenamento em segundo e armas de fogo em terceiro (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018).
Em março de 2017 foi estreada na Netflix a série “13 Reasons Why” baseada no livro de Jay Asher e adaptado por Brian Yorkey, que conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que, antes de se suicidar, gravou 13 fitas cassetes explicando 13 razões pelas quais tirou a própria vida. Muitas discussões se deram nas redes sociais sobre a influência da série e o risco em levar jovens a cometerem suicídio.
Uma das primeiras associações conhecidas entre a influência da literatura e o suicídio vem da novela de Goethe “Die Leiden des jungen Werther” (Os Sofrimentos do Jovem Werther), publicada em 1774. Nessa história o personagem principal, Werther, vive uma paixão que não pode ser correspondida e decide tirar a própria vida com um tiro na cabeça após sua amada, Charlotte, se casar. Após a publicação da obra houveram vários relatos de jovens na Europa que cometeram suicídio da mesma forma, o que resultou na proibição do livro em diversos lugares, e originou o termo “Efeito Werther”, que afirma que a publicidade de suicídios serve como gatilho para pessoas suscetíveis, o que também é denominado como “suicídio por contágio”.
Segundo a OMS (2000) a mídia desempenha um importante papel em nossa sociedade, pois é um veículo de informação que atinge inúmeras pessoas através de diversos recursos, como afirma:
“(A Mídia) influencia fortemente as atitudes, crenças e comportamentos da comunidade e ocupa um lugar central nas práticas políticas, econômicas e sociais. Devido a esta grande influência, os meios de comunicação podem também ter um papel ativo na prevenção do suicídio.” (p. 03).
Sendo que argumenta: “A maneira como os meios de comunicação tratam casos públicos de suicídio pode influenciar a ocorrência de outros suicídios” (p. 03), em casos de pessoas que já se encontravam vulneráveis e em condições de risco, sendo essa correlação mais forte quando envolve a divulgação do suicídio de celebridades.
“Os clínicos e os pesquisadores sabem que não é a cobertura jornalística do suicídio per se, mas alguns tipos de cobertura, que aumentam o comportamento suicida em populações vulneráveis. Por outro lado, alguns tipos de cobertura podem ajudar a prevenir a imitação do comportamento suicida.” (p. 04). Sendo assim, os meios de comunicação podem apresentar-se como importantes fatores de proteção contra o suicídio ou de incentivo para o mesmo. “O relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas” (p. 05).
Considero que a história 13 Reasons Why proporciona uma importante oportunidade de se discutir sobre o tema em nossa atualidade, sendo uma série que trata não apenas de suicídio, mas também de abuso sexual, bullying, orientação sexual, uso de substâncias psicoativas, entre outros importantes temas presentes na adolescência e juventude contemporâneas, e geralmente difíceis de serem abordados por profissionais no contexto escolar ou mesmo pelos pais em casa.
A OMS lançou em 2000 um manual de prevenção do suicídio para profissionais da mídia, no qual alerta que as comparações de dados sobre mortes por suicídios entre diferentes países não leva em consideração os diferentes procedimentos de registro de dados, o que compromete análises fidedignas. O documento apresenta diversas orientações sobre como noticiar casos de suicídio na mídia, entre elas: evitar a cobertura sensacionalista, principalmente ao envolver uma celebridade, evitando mostrar fotografias, descrições detalhadas do método utilizado, e não apresentar notícias sobre suicídio em manchetes de primeira página.
É importante levar em consideração ao escrever matérias sobre suicídio o impacto para os familiares e pessoas próximas a vítima, nunca atribuindo culpa ou julgamentos de valor. “Para cada suicídio há, em média, 5 ou 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem consequências emocionais, sociais e econômicas”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 07).
É importante considerar também as consequências das tentativas não fatais, como dano cerebral ou paralisia.
“O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável ou de uma maneira simplista. Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único. Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores, como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, problemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes.” (OMS, 2000, p. 08).
Segundo o Ministério da Saúde (2018) os meios de comunicação não devem dar explicações sobre o motivo de um suicídio, visto ser um fenômeno complexo que pode envolver múltiplos fatores; também não é recomendado a divulgação de cartas suicidas, considerando que algumas pessoas deixam bilhetes ou explicações para o ato cometido. Citamos como exemplo o caso de Kurt Cobain, vocalista e guitarrista da banda Nirvana, que cometeu suicídio em 1994, deixando uma carta de despedida para sua esposa, chegando o conteúdo da mesma a ser vendido como estampa de camisetas em sua grafia original (ÉPOCA, 2015).
Segundo a Portaria nº 1.876 de 14 de agosto de 2006 do Ministério da Saúde, que institui as Diretrizes Nacionais para Prevenção ao Suicídio, o fenômeno do suicídio é considerado um problema grave de saúde pública que deve ser registrado em todo o território nacional, inclusive as tentativas de suicídio, devido a sua importância epidemiológica, sendo considerado um problema que “afeta toda a sociedade e que pode ser prevenido”. A portaria considera um aumento expressivo no comportamento suicida na faixa etária entre 15 e 25 anos, que envolvem ambos os sexos e diferentes camadas sociais, e também aponta os meios de comunicação em massa como fundamentais no apoio a prevenção do suicídio.
A Portaria nº 204 de 17 de fevereiro de 2016, torna obrigatória a notificação compulsória imediata de tentativa de suicídio, no prazo de até 24 horas de sua ocorrência, pelos serviços de saúde públicos e privados. Sendo que em, seu artigo 7º, garante o sigilo das informações pessoais pelas autoridades de saúde.
Em alguns países a eutanásia e o suicídio assistido são legalizados, gerando diversas discussões sobre o direito de escolha de uma pessoa em morrer com dignidade; como questiona Nietzsche (1888) ao discutir sobre moral para médicos em “Crepúsculo dos Ídolos”. No Brasil, segundo o artigo 122 do Código Penal, é crime “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”, tendo sob pena a reclusão de 2 a 6 anos caso o suicídio se consuma, e de 1 a 3 anos se a tentativa resultar em lesão corporal de natureza grave. Já a ortotanásia é permitida pela Resolução nº 1.805 de 2006 do Conselho Federal de Medicina, que apresenta em seu artigo 1º: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”.
É importante considerar que a prática da eutanásia traz condicionalidades de acordo com a legislação do país em que é permitida. A Holanda, por exemplo, primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia e o suicídio assistido, apresenta certas condições, como: “o paciente precisa fazer o pedido em estado de ‘total consciência’, sofrer dores insuportáveis e ser portador de uma doença incurável” (G1, 2014). Nilson Berenchtein Netto (CFP, 2013) Mestre em Psicologia e Doutor em Educação pela PUC-SP, questiona a pobreza na terminologia do conceito suicídio, que abarca diversas formas de tirar a própria vida.
Segundo o Ministério da Saúde (2006) os principais fatores de risco para o suicídio são: transtorno mental e história de tentativa de suicídio. “Se consideramos que metade das pessoas que se suicidam, realizaram uma tentativa anterior, isso faz da tentativa de suicídio um importante fator de risco” (CFP, 2013, p. 32).
Entre os transtornos mentais mais associados ao risco de suicídio estão: transtornos de humor (depressão), transtornos de personalidade (boderline, narcisista e antissocial), esquizofrenia, transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (alcoolismo), sendo que, comorbidades potencializam o risco (exemplo: depressão + alcoolismo).
Em relação aos fatores sociodemográficos o risco de suicídio é maior no sexo masculino, na faixa etária jovem (15 a 35 anos) e idosa (acima de 75), desempregados (principalmente se for uma perda recente de emprego), aposentados, pessoas que vivem em situação de isolamento social, solteiros ou divorciados, migrantes, e tribos indígenas. Em relação a condições incapacitantes encontramos casos de neoplasias malignas, AIDS, trauma medular e doenças crônicas que gerem dor constante. Traumas recentes também podem ser um fator desencadeante, como perda de alguém significativo (morte ou divórcio).
“Outra maior vulnerabilidade ao suicídio é uma rede de apoio frágil ou inexistente, pois é importante que a pessoa se sinta amparada e incluída socialmente, que possa contar com a ajuda de pessoas com as quais mantém laços de confiança em momentos difíceis.” (UNA-SUS, 2014, p. 143).
É importante considerar que os índices de suicídio que mais crescem no mundo estão relacionados a jovens, numa fase de seu desenvolvimento em que grande parte se encontra (ou pelo menos deveria estar) em alguma instituição de ensino. Período em que deveriam pensar e planejar importantes decisões sobre o futuro, como a escolha de uma vocação, de um parceiro, um projeto de vida. Vale citar os massacres ocorridos nos EUA em que estudantes entram armados nas escolas e atiram em diversos alunos e profissionais antes de cometerem suicídio.
Freud, já em 1910 (apud CFP, 2013, p. 105) realizou críticas às escolas de seu tempo na conferência “Contribuições para uma discussão acerca do suicídio”, questionando o papel que essas instituições têm na prevenção desse fenômeno. Isso nos faz refletir sobre a realidade negligenciada da educação em diversos contextos do nosso país, e o importante papel da escola na prevenção ao suicídio.
Netto (CFP, 2013) levanta um questionamento social em relação ao suicídio: “O que então essas mortes voluntárias poderiam explicitar sobre a nossa sociedade? Nós estamos falando do suicídio na sociedade capitalista, sociedade esta que é fundada na exploração e profundamente marcada pela opressão, pela desigualdade, pela competitividade e pelo individualismo” (p. 20). Sobretudo em nosso país, que se caracteriza por uma diferença marcante entre classes, uma desigualdade acentuada em que a maioria dos trabalhadores que produzem não usufruem dos resultados, sendo a distribuição de riquezas desproporcional e injusta. Sem contar o complexo fenômeno da corrupção que faz parte da construção de nossa história desde a época da “descoberta” e da colonização.
Netto argumenta que o suicídio antigamente, em diversos países, ocorria com maior frequência entre os escravos, e discute a atual violência e o assédio moral em diferentes contextos: “(...) acredito que não só no ambiente de trabalho, como em todos os espaços, muitas vezes, aquilo que nós costumamos chamar de suicídio, na verdade é um assassinato encoberto. Quando a pessoa é conduzida à beira do precipício e largada ali, sem nenhuma condição de se segurar, chamar isso de suicídio pode ser um equívoco” (p. 87). O que dizer sobre uma sociedade em que diversas “mortes voluntárias” ocorrem?
“Há que se pensar que toda e qualquer morte traz à tona algo sobre a sociedade em que ela acontece” (Netto - CFP, 2013, p. 17).
Netto (CRP, 2013) argumenta que, o suicídio pode interromper a dor por tirar o indivíduo da vida, “entretanto, as situações que lhe causavam sofrimento continuam existindo no mundo, mas sem a sua existência”. É necessário que os indivíduos reconheçam, segundo o autor, que a morte, por si só, não transforma a realidade, “para transformar a realidade, é necessário que as pessoas estejam vivas” (p. 100).
Ainda discutindo as influências sociais do suicídio, Netto (CFP, 2013) vai argumentar sobre o uso indiscriminado de fármacos e as pressões que a sociedade nos cobra com o imperativo cultural de “estar sempre feliz”. Ele argumenta que “(...) esse uso ‘ideologizante’ do medicamento apenas encobre os sintomas que se manifestam nos indivíduos, sem tocar em suas profundas raízes sociais” (p. 22). Vale questionarmos os bilhões de reais que geram o lucro de uma indústria farmacêutica que, não se preocupa em mudar a realidade social, mas a química e o funcionamento do organismo, para que o indivíduo suporte e se adeque aquela condição. Não estou desconsiderando o importante papel dos fármacos, nem argumentando que não são importantes e fundamentais em determinadas condições e patologias. Entretanto, deve-se atentar para o perigo do autodiagnóstico, da automedicação e da “patologização da vida”. Precisamos proporcionar as pessoas possibilidades de transformar as condições que as fazem desejar a morte.
É necessário refletir também sobre o suicídio relacionado a determinadas minorias como, por exemplo, a população indígena e os homossexuais. Segundo o Ministério da Saúde (2018) a porcentagem de suicídios entre indígenas é mais que o dobro se comparada com outras etnias. Segundo o psiquiatra Carlos Coloma, phD em Antropologia Médica e Etnopsiquiatria, diversos fatores podem influenciar essa maior frequência em populações indígenas, como a maior interdependência determinada pela forma de se vincular, a desapropriação de terras tradicionais, o confinamento em reservas, a desagregação familiar devido a crise por valores contemporâneos que não são coerentes com as culturas originárias, entre outros (CFP, 2013).
“(...) um fenômeno que vem crescendo e que também traz uma denúncia importante é o suicídio de homossexuais, transgêneros e mais especificamente transexuais, sendo que a maioria deles está diretamente ligada ao preconceito, à homofobia, à não aceitação da família e às mais diversas formas de violência às quais essas pessoas estão submetidas cotidianamente.” (Netto - CFP, 2013, p. 101).
Como fatores de risco também podemos considerar eventos traumáticos sofridos na infância, como constantes violências físicas, agressões verbais, abuso sexual, negligência, abandono. Netto (CFP, 2013, p. 90) argumenta sobre sua discordância em conceituar uma morte causada pela própria criança como suicídio: “Trata-se de se estabelecer se uma criança que ainda não tenha plena consciência do outro e de si, não tenha sua volição plenamente desenvolvida e que não tenha um conceito formado acerca da morte, ou seja, que compreende sua universalidade e, principalmente, sua irreversibilidade, pode tirar, intencional e conscientemente a sua vida”. Segundo o autor, situações de violência possuem uma influência degradante na constituição de uma criança que, frente a situações de humilhações e abandono, pode fazer com que ela busque uma saída e inicie uma ação irreversível sem ter a plena consciência de suas consequências.
É importante considerar que os fatores de risco não determinam por si, isoladamente, que uma pessoa vá cometer suicídio, mas, em conjunto, podem aumentar as chances de que uma pessoa cometa tal ato. Por exemplo, segundo Soraya Carvalho Rigo (CFP, 2013), psicóloga, psicanalista e fundadora do NEPS - Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio, 15% a 20% das pessoas que possuem depressão cometem suicídio, isso não quer dizer, portanto, que todas as pessoas que têm depressão cometerão o ato suicida, e muito menos que a depressão é a causa do suicídio, afinal podemos nos questionar que diversos outros fatores podem gerar um quadro depressivo. A causa nunca será simples nem única.
Assim como os fatores de risco, os fatores de proteção também não garantem que alguém não vá cometer o suicídio, mas diminuem as probabilidades de que isso aconteça. Entre os fatores de proteção encontramos uma rede social de apoio como proximidade com a família, amigos, estar envolvido em uma religião, ter uma ocupação ou emprego, possuir percepção otimista da vida, resiliência frente a situações adversas. (UNA-SUS, 2014).
O suicídio pode ser considerado, em alguns casos, como ausência de sentido para a vida. Viktor Frankl (1984), psicólogo e psiquiatra, sobrevivente de diversos campos de concentração, escreveu o livro “Em busca de sentido - Um Psicólogo no Campo de Concentração” após a Segunda Guerra Mundial, no qual apresenta-nos a Logoterapia. Nesta obra ele relata que era natural que a maioria dos prisioneiros nos campos nazistas pensassem em suicídio. Segundo ele, a própria câmara de gás nem sempre era vista com horror, mas, em alguns momentos, como algo que os poupava de atentar contra a própria vida frente a tanto sofrimento.
Frankl costumava perguntar a seus pacientes quando sofriam por diversas causas, o motivo pelo qual a pessoa não optava pelo suicídio, algumas respondiam ser o amor aos filhos, outras um talento ou sonho a realizar, outras recordações a preservar, e, através das razões expressas, ele encontrava as linhas centrais da psicoterapia. Segundo o autor “uma forte percepção de sentido cumpre um papel decisivo na prevenção do suicídio” (1984, p. 77). Nesse mesmo sentido, Coloma (CFP, 2013, p. 112) afirma que: “(...) o pensamento sobre o futuro com uma sensação de esperança é um dos fatores mais protetores frente à perspectiva suicida.”
Podemos considerar que o pensamento suicida surge quando o indivíduo não encontra uma saída frente a percepção da impossibilidade de transpor uma situação insuportável. Pode ser vista como única possibilidade de alívio, de acabar com o sofrimento, e a crença em libertar a alma pode fazer com que a morte pareça atrativa. Notamos que no suicídio a vítima é o próprio réu.
Podemos considerar como sinais e sintomas para o risco de suicídio: comportamento retraído; isolamento; humor deprimido; pessimismo ou apatia; perda do prazer em atividades que antes eram prazerosas; mudança no hábito alimentar e de sono; dificuldade de concentração; sentimento de culpa, vergonha ou ódio contra si mesmo; sentimento de impotência; desejo súbito de concluir afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento ou carta de despedida. (UNA-SUS, 2014).
Segundo o Ministério da Saúde (2006) existem 4 sentimentos que, associados a outros fatores de risco, podem alertar para o risco de suicídio, que são: depressão, desesperança, desamparo e desespero (regra dos 4D). Pessoas com risco de suicídio tendem a apresentar ambivalência, alegando desejo de viver e também de morrer. “O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas em suas vidas e ficam nesta luta interna entre os desejos de viver e de acabar com a dor psíquica” (p. 51).
O desejo de morrer pode surgir do sentimento de impotência em não conseguir lidar com um problema que, em sua percepção, apresenta-se como insolúvel. O que nos leva a outra característica do pensamento suicida, que é a rigidez ou constrição, no qual a pessoa não consegue pensar em outras possibilidades ou alternativas de lidar com a situação, estreitando seu raciocínio a considerar a dicotomia: tudo ou nada, como se a morte fosse a única solução possível.
Existem algumas ideias do senso comum sobre o suicídio que devem ser esclarecidas, como, por exemplo, a afirmação “Quem quer se matar não avisa, faz”, na verdade, segundo o Ministério da Saúde (2006), pelo menos 2/3 das pessoas que tentam ou cometem suicídio chegam a comunicar sua intenção para familiares, amigos ou conhecidos. Existem algumas frases de alerta para as quais precisamos nos atentar, como: “Eu preferia estar morto”, “Eu não faço diferença”, “Sou um peso para os outros”, “Eu não aguento mais”, “Não há nada que eu possa fazer”, “Os outros vão ser mais felizes sem mim”, “Não tenho mais razão para viver”, “Estou cansado da vida”... Infelizmente quando as pessoas expressam esses pensamentos tendem a ser repreendidas ou mesmo rejeitadas.
Outra ideia sobre o suicídio que leva ao erro é de que “A pessoa está ameaçando suicídio apenas para manipular, para chamar a atenção”. Toda expressão de intenção suicida deve ser considerada com respeito e seriedade, pois é uma forma do indivíduo indicar que está sofrendo e que precisa de ajuda.
Lembre-se de que não existe uma receita pronta para descobrir se alguém próximo a você corre risco de suicídio. Os sinais de alerta e fatores de risco não devem ser considerados de forma isolada, mas em inter-relação. Algumas perguntas podem ajudar no início de um diálogo: “Como você se sente ultimamente?”, “Está passando por problemas?”, “O que tem tentado fazer para resolvê-los?”, “Tem esperança de que as coisas vão melhorar?”, “Tem algo em que eu posso te ajudar?”. Algumas pessoas podem ter medo de tocar no assunto por não saberem o que dizer, mas lembre-se: o mais importante nesse momento não é falar, e sim ouvir.
Outro erro é a crença de que “Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir a pessoa a isso”, na verdade questionar sobre, abre espaço para que a pessoa se expresse, “coloque pra fora” seu sofrimento e tenha a oportunidade de encontrar alívio no vínculo de confiança com alguém. O fato de uma pessoa reprimir esses pensamentos e sentimentos, por medo de não ser compreendida ou ser julgada e rejeitada, só piora o quadro. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). “O suicídio foi e continua sendo um tabu entre a maioria das pessoas. É um assunto proibido e agride várias crenças religiosas. O tabu também se sustenta porque muitos veem o suicida como um fracassado” (CVV, 2017, p. 03).
Devem ser evitadas atribuições de valor como “o suicídio é covardia, fraqueza ou loucura”. Nunca banalize ou desconsidere o sofrimento do outro argumentando que você já teve problemas maiores. O famoso ditado “Chorei porque não tinha sapatos até que vi alguém sem pés”. Evite julgamentos morais ou religiosos como “pensar isso é pecado”, “isso é falta de Deus”, afirmações assim podem fazer com que a pessoa se sinta ainda mais culpada ou sem valor. Não dê respostas prontas, superficiais ou simplistas como “Tudo vai ficar bem”, “Esqueça isso”, “Levante a cabeça”.
O contato inicial com uma pessoa que demonstra risco suicida é muito importante. Primeiramente é fundamental ouvir a pessoa, sem julgamentos ou interrupções, permitir que ela se expresse, permitir que se sinta acolhida e compreendida. Leve a pessoa, se possível, para um lugar tranquilo e que lhe proporcione privacidade.
Evite ficar chocado ou muito emocionado, fazer com que o problema pareça trivial ou argumentar que existem pessoas passando por situações piores. Cuidado para não assumir uma postura que faça com que a pessoa sinta-se numa posição de inferioridade.
É importante fazer a pessoa refletir sobre aspectos positivos, pergunte sobre problemas anteriores e como ela conseguiu resolvê-los, na tentativa de motivá-la a recuperar a confiança em si mesma. Discuta os sentimentos de ambivalência, entre o desejo de viver e morrer, até que o desejo de viver gradualmente se fortaleça. Discuta alternativas ao suicídio, construa com a pessoa propostas e outros caminhos possíveis, para que, num momento de crise, ela possa considerar pelo menos um deles. Proponha um contrato com a pessoa, de que ela não cometerá suicídio sem antes entrar em contato com você, alguém da família ou algum profissional da saúde, e que ela não o fará por um período determinado, estabeleça com ela um prazo. A ideia é ganhar tempo até que ela possa se tratar e construir outras possibilidades.
“Distorções cognitivas devem ser mostradas e trabalhadas, como, por exemplo, estreitamento de repertório, desesperança, pensamentos tipo tudo ou nada e visão dos obstáculos como intransponíveis; Devem-se reforçar os vínculos saudáveis do paciente; Fortalecer a sensação subjetiva de ‘pertença’ do indivíduo, em termos de grupos, comunidades, instituições” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 49).
Entre em contato com alguém da família, algum amigo ou conhecido, mas converse antes com a pessoa, peça sua autorização, combine com ela quais informações serão passadas e quem de sua confiança ela permite que chame. “Mesmo que a permissão não seja dada, em uma situação de risco importante tente localizar alguém que seria particularmente compreensivo com o paciente. Procure, dentro do possível, preservar o sigilo do paciente” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 70). Cuidado ao chamar alguém da família com quem a pessoa possa ter conflitos ou que não conseguirá manter o equilíbrio emocional, podendo piorar a situação. Oriente esse familiar ou amigo sobre medidas de prevenção, sobre como impedir acesso a meios como facas, medicamentos, cordas; exemplo: oriente a pessoa a trancar medicamentos num lugar apropriado e ficar responsável por administrá-los. Discuta tudo isso também com a pessoa em risco, faça-a refletir que essas medidas são temporárias até que ela esteja estável.
Encaminhe a pessoa a profissionais competentes, como psiquiatra, psicólogo, ou um serviço de saúde especializado como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Se ela possuir algum transtorno mental, de humor ou personalidade, é fundamental que faça o tratamento medicamentoso e psicoterápico. Existem também outras fontes de apoio possíveis na comunidade como centros de convivência, grupos religiosos, ONGs, entre outros. Mas faça um encaminhamento corresponsável, não tenha a atitude de “lavar as mãos”, se possível entre em contato com o profissional para explicar o motivo do encaminhamento, e, até que a pessoa receba tratamento adequado ou melhore, mantenha contato ou procure encontra-la em intervalos regulares.
“Existem estágios no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se geralmente com a imaginação ou a contemplação da ideia suicida. Posteriormente, um plano de como se matar, que pode ser implementado por meio de ensaios realísticos ou imaginários até, finalmente, culminar em uma ação destrutiva concreta. Contudo, não podemos esquecer que o resultado de um ato suicida depende de uma multiplicidade de variáveis que nem sempre envolve planejamento” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 51).
Não tenha medo de perguntar se a pessoa tem ou já teve pensamentos suicidas, ao contrário da crença popular de que falar sobre induz ao ato, as pessoas que têm a oportunidade de se expressar sentem-se agradecidas e aliviadas. “A primeira medida preventiva é a educação: é preciso deixar de ter medo de falar sobre o assunto, derrubar tabus e compartilhar informações ligadas ao tema” (CVV, 2017, p. 02).
Pode-se chegar ao assunto gradualmente, estabelecendo um ambiente de confiança e vínculo. Para avaliar o risco é importante perguntar se a pessoa tem um plano definido de como acabar com a vida, se ela possui os meios para fazê-lo (como arma, veneno, corda), e se ela já estabeleceu um prazo ou uma data. Tudo isso deve ser discutido com muito cuidado e preocupação.
É considerado, segundo o Ministério da Saúde (2006) como baixo risco a pessoa que teve pensamentos suicidas mas não fez nenhum plano. Médio risco a pessoa que tem pensamentos e um plano, mas não tem intenção de cometer o suicídio imediatamente. E alto risco a pessoa que tem um plano definido, possui os meios para realiza-lo e pretende fazê-lo de imediato. “Segundo estudo realizado pela Unicamp, 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria vida e, desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso”. (CVV, 2017, p. 02).
Num primeiro contato é importante avaliar a presença de fatores de risco, como estado de saúde da pessoa; fatores de proteção, como rede social de apoio; acontecimentos marcantes que possam ter desencadeado um humor depressivo, como perdas recentes; bem como avaliar o risco em que a pessoa pode se encontrar, investigando se ela possui um plano, meios ou um prazo para cometer o suicídio (UNA-SUS, 2014). No caso de perceber que a pessoa está em alto risco é recomendado não deixá-la sozinha, encaminhá-la ao serviço de emergência, e entrar em contato com pessoas de apoio, como familiares e amigos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Apesar de nossos possíveis esforços a pessoa pode esconder a motivação de se matar, ou negar suas reais intenções, por isso é importante demonstrar preocupação e estar atento quanto a melhoras bruscas. (UNA-SUS, 2014).
“Mesmo com todo o cuidado dispensado, algumas pessoas se suicidam e isso causa um impacto grande em todos ao redor (pacientes, familiares e a própria equipe assistencial), gerando sentimentos de culpa, raiva, frustração, ansiedade. Reuniões com esses grupos são importantes para que o ocorrido seja discutido e elaborado” (UNA-SUS, 2014, p. 159).
Segundo Marcelo Tavares (CFP, 2013), Doutor em Psicologia Clínica pela United States International University, chamamos os familiares, amigos e pessoas que conviviam com aquele que cometeu o suicídio, de “sobreviventes”. Ele aponta que o impacto de ser sobrevivente de um suicídio é muito significativo, pois esse é um dos fatores de risco para futuros suicídios, sobretudo ao envolver crianças e adolescentes, que são considerados mais “suscetíveis ao suicídio cometido por alguém próximo a eles” (p. 59). Por isso ações com as famílias enlutadas são muito importantes na prevenção do suicídio.
Muitos sentimentos podem derivar do luto de se perder alguém que decidiu tirar a própria vida, como: culpa pela percepção de que poderiam ter feito algo, tristeza, raiva, e até medo ou vergonha do julgamento social. Lúcia Cecília da Silva (CFP, 2013), Doutora em Psicologia e professora na Universidade Estadual de Maringá, também argumenta sobre as consequências do suicídio para os familiares: “Os pais de filhos suicidas, por estarem sofrendo seu luto, poderão ficar tão absortos no seu próprio sofrimento que não conseguem dar atenção a outros filhos. (...) Adolescentes enlutados também poderão se envolver com álcool e outras drogas, podendo manifestar comportamentos violentos, se deprimir.” (p. 63).
Muitas pessoas que fizeram tentativas de suicídio e, mesmo os familiares, podem sofrer o preconceito e a estigmatização por parte da sociedade. Esses sobreviventes podem ter como reação evitar tocar no assunto, restrição do convívio social ou mesmo a decisão de manter segredo sobre a forma como a pessoa morreu. Nesses casos pode ocorrer a culpabilização ou projeção da culpa, que pode partir tanto dos familiares, quanto de conhecidos ou da comunidade, numa tentativa de encontrar um “bode expiatório”, no sentido de que a culpa precisa ser de alguém, seja dos pais, de algum profissional, ou do próprio sujeito que foi vítima de si mesmo, como uma busca de alívio ou justificativa. É importante considerar que não deve-se buscar culpados. Os autores indicam que o processo de luto pelo suicídio tende a ser muito doloroso, mas é extremamente importante para se elaborar sentimentos e dar sentido e significado a perda.
Em 2017 o Ministério da Saúde apresentou a Agenda de Ações Estratégicas para a Promoção da Saúde, Vigilância e Prevenção do Suicídio no Brasil, colocando entre suas estratégias: “Fomentar iniciativas intersetoriais para a regulação e controle da disponibilidade e acesso aos meios utilizados para o suicídio tais como: a manutenção da legislação que restringe acesso a armas de fogo; a segurança na arquitetura urbana; regulação e fiscalização na exposição a agrotóxicos; o uso racional, fracionamento e descarte de medicamentos, bem como maior fiscalização da disponibilidade do acesso a pesticidas e demais produtos químicos de uso doméstico;” (p. 16).
“Fortalecer e disseminar, em articulação com o Ministério da Educação (MEC), as ações, conteúdos, materiais do componente de promoção da saúde do Programa Saúde na Escola (PSE) ou iniciativas já existentes de prevenção de violências e promoção da cultura da paz, prevenção do uso prejudicial de álcool e outras drogas, prevenção do suicídio e desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais para estudantes, professores, demais profissionais da escola, familiares e comunidade;” (p. 17).
É importante considerarmos que serviços escassos, de difícil acesso, poucos recursos econômicos e profissionais sem capacitação também podem servir como fatores de risco. Netto (CFP, 2013) considera que, muitas vezes, a vítima de uma tentativa de suicídio é maltratada pela equipe de saúde, com argumentos como: “podia estar salvando uma vida, mas estou aqui perdendo meu tempo com quem quis tirá-la.” No entanto, essa intenção de “dar uma lição” ou “fazer justiça” apenas revela uma atitude antiética e um despreparo emocional por parte dos profissionais. É importante considerar, segundo Coloma (CFP, 2013), que um dos momentos de maior risco para o paciente é após sua alta hospitalar e o seu retorno imediato para o lar. Pode ser complicado lidar com casos de tentativa de suicídio sem ter preparo e capacitação, visto que é uma dor que não pode ser mensurada, sendo que o paciente não possui uma ferida que possa receber um tratamento objetivo, como pontos ou um curativo. Segundo Tavares (CFP, 2013, p. 47): “o suicídio ocorre com frequência em condições de inacessibilidade ao tratamento.” De acordo com o Ministério da Saúde (2018) a existência de CAPS no município reduz em 14% o risco de suicídio.
A Portaria nº 1.876/2006, do Ministério da Saúde, que institui as Diretrizes Nacionais para Prevenção ao Suicídio, apresenta em seu artigo 2º, entre outras ações: estratégias de informação, prevenção, proteção e recuperação da saúde, garantia de acesso às “diferentes modalidades terapêuticas”, educação permanente aos profissionais de saúde, estudos sobre a prevalência de condicionantes e determinantes do suicídio, fatores de proteção, tratamento humanizado aos casos de tentativa e desenvolvimento de ações intersetoriais.
“Compete a nós, profissionais de saúde, quebrar o silêncio e a invisibilidade desse tipo de sofrimento, quebrar esse ciclo de dor e reprodução de situações traumatizantes. Infelizmente, algumas pessoas acham que não se deveria empregar dinheiro público com quem deseja se matar. (...) Precisamos enxergar, por trás do risco de suicídio, os vários outros riscos e prejuízos associados, que acarretam perdas e sofrimento, como a violência, histórias de vida com traumas repetidos, como as situações de abuso, violência doméstica, bullying e tantas outras formas de sofrimento invisível. Estes afetam toda a sociedade e produzem perdas materiais e pessoais significativas e, às vezes, irreparáveis” (Tavares – CFP, 2013, p. 57).
Segundo Coloma, em relação aos profissionais da psicologia: “(...) é necessário o conhecimento específico e experiência supervisada para assumir um paciente em risco de suicídio”. (CFP, 2013, p. 116). Tavares (CFP, 2013) aponta como fundamental ao exercício profissional do psicólogo que este também faça psicoterapia. Ele argumenta como necessário a “transição de cuidados” (p. 54) caso o profissional não se sinta apto a acompanhar o caso, para que não ocorra abuso ou negligência por parte do mesmo no processo terapêutico.
Rigo (CFP, 2013, p. 39) argumenta ser importante, ao atender pacientes com risco suicida, que o psicólogo possa disponibilizar o número de seu telefone celular “para que o paciente possa contatá-lo em momentos de desespero e urgência psíquica, mesmo que isso ocorra fora do horário comercial”.
Netto (CFP, 2013) vai apontar a importância de considerar o ser humano como um ser biopsicossocial, e de se trabalhar as diversas esferas da vida dos indivíduos através de um atuação multidisciplinar. “Vale lembrar que para prevenir o suicídio ou promover a vida não se precisa tocar especificamente ou diretamente no assunto do suicídio, trata-se, justamente, de promover ou valorizar entre as pessoas a questão da vida” (p. 21).
Segundo o Ministério da Saúde (2017) diversos fatores como “fatores socioeconômicos, ambientais, de trabalho e ocupação, violência e discriminação étnico-raciais, relacionadas a gênero, identidade de gênero e orientação sexual, entre outros, estão associados aos suicídios e tentativas” (p. 16). O suicídio é um fenômeno complexo que pode afetar indivíduos de diferentes faixas etárias, origens étnicas, classes sociais e orientações sexuais, e que não possui uma causa única. O importante é saber que o suicídio pode ser prevenido e que existem formas de tratamento e contatos que podem ser acionados. Saber reconhecer sinais de alerta em alguém próximo, ou em sim mesmo, é muito importante.
“As melhores pesquisas indicam que a prevenção do suicídio, mesmo sendo uma atividade factível, envolve toda uma série de atividades, que variam desde as melhores condições possíveis para a criação das crianças e dos jovens, passando pelo tratamento efetivo dos transtornos mentais, até o controle dos fatores de risco ambientais. A disseminação apropriada da informação e o aumento da conscientização são elementos essenciais para o sucesso de programas de prevenção do suicídio.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 02).
O CVV – Centro de Valorização da Vida é uma associação civil sem fins lucrativos que presta serviço voluntário e gratuito de apoio social e prevenção ao suicídio há mais de 50 anos, através de mais de 2.000 voluntários que atendem por chat, e-mail, pessoalmente e por telefone (nº 188 – ligação gratuita). Site: www.cvv.org.br. Em serviços públicos contamos também com os CAPS e UBS, bem como SAMU e UPA em casos de emergência, entre outras iniciativas governamentais.
Se você está pensando em tirar sua vida saiba que não está sozinho, se conhece alguém que tenha lhe expressado isso demonstre a essa pessoa que ela também não está só, muitas pessoas passam e já passaram por isso e encontraram formas de superar o sofrimento. Busque ajuda e não tenha medo de se expressar.
Tiago de Sousa Medeiros
REFERÊNCIAS
ASTUTO, Bruno. Carta de suicídio de Kurt Cobain. Época: jan. 2015. Disponível em: < https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/bruno-astuto/noticia/2015/01/carta-de-suicidio-de-bkurt-cobainb-na-integra-e-com-grafia-original-vira-camiseta-sucesso-de-vendas.html> Acesso em: 29 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil. Brasília DF: Editora MS, 2017, 34 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.876 de 14 de agosto de 2006. Institui Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, a ser implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt1876_14_08_2006.html> Acesso em: 30 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 204 de 17 de fevereiro de 2016. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0204_17_02_2016.html> Acesso em: 30 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção ao suicídio com ligação gratuita em todo o país. Disponível em: <http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/43791-chamada-gratuita-do-cvv-para-prevencao-ao-suicidio-ja-esta-em-todos-os-estados> Acesso em: 03 jul. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção ao Suicídio: Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental. Editora MS: Campinas, 2006, 76 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Setembro Amarelo: Agenda Estratégica de Prevenção ao Suicídio. Brasília DF: Editora MS, 2018, 34 p.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 30 jun. 2018.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 30 jun. 2018.
CFM, Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805/2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm> Acesso em: 01 jul. 2018.
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CVV, Centro de Valorização da Vida. Falando abertamente sobre suicídio. 2017. Disponível em: <https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Falando-Abertamente-CVV-2017.pdf> Acesso em: 03 jul. 2018.
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NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Editora Escala, 1888, p. 97-98.
OPAS/OMS, Organização Pan-Americana; Organização Mundial da Saúde. Suicídio é grave problema de saúde pública e sua prevenção deve ser prioridade. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5674:suicidio-e-grave-problema-de-saude-publica-e-sua-prevencao-deve-ser-prioridade-afirma-opas-oms&Itemid=839 > Acesso em: 02 jul. 2018.
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