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Sexualidade humana

Atualizado: 24 de ago. de 2019

Para compreendermos a complexidade da diversidade sexual é necessário entender três aspectos importantes da sexualidade humana: sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero; que não determinam-se uns aos outros.

De acordo com Sponton e Scarpari (2016) a orientação sexual se refere à por quem uma pessoa sente atração e desejo sexual, sendo incorreto o termo “opção sexual”, visto que a dimensão da sexualidade humana não faz parte de uma escolha consciente. Podemos comparar esse conceito ao personagem Cupido, que na mitologia Romana representa o deus do amor (comparado ao deus grego Eros). Segundo a estória, Cupido era filho de Vênus e de Marte, o deus da guerra. Representado comumente pela imagem de uma criança com asas, arco e flechas; cujos ferimentos causados pelos disparos despertavam amor ou paixão em suas vítimas (IMBROISI, 2016). Segundo a mitologia, a deusa Vênus teria ficado com inveja da beleza de Psiquê e pediu que seu filho acertasse uma flecha que fizesse com que a princesa se apaixonasse pelo homem mais feio do mundo. Cupido, entretanto, admirado com a beleza de Psiquê, errou o alvo, acertando a flecha em si mesmo e apaixonando-se por ela. Esse breve resumo serve-nos apenas para ilustrar o caráter involuntário relacionado a paixão e a sexualidade.

“O desejo sexual nasce em nós, como a flecha do Cupido que enche de amor e poesia nossas vidas sejam em relações efêmeras, sejam em relações de compromissos mais duradouros” (TEIXEIRA FILHO, CRP SP, 2011, p. 56).

Retomando o conceito de orientação sexual, ela pode ser heterossexual (atração por pessoas do sexo oposto), homossexual (atração por pessoas do mesmo sexo) e bissexual (atração por ambos os sexos). Homens homossexuais são chamados de gays, enquanto mulheres homossexuais são chamadas de lésbicas. Myers (2010) argumenta que a orientação sexual pode ser, de certa forma, comparada ao uso das mãos: a maioria das pessoas são destras, mas existem aqueles que são canhotos ou ambidestros. O Ministério da Saúde informa, através do Programa Brasil sem Homofobia (2004), que a orientação sexual “varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade”. (p. 19).

Segundo Teixeira Filho (CRP SP, 2011)  “as sexualidades são os processos pelos quais os desejos são construídos e atravessam as pessoas (...)” (p. 56).

Diferente e independente da orientação sexual encontra-se outra dimensão da sexualidade humana que se refere à identidade de gênero, que é a “percepção que cada pessoa tem de si como sendo do gênero feminino, masculino ou uma combinação entre eles” (SPONTON; SCARPARI, 2016, p. 51). Segundo a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Governo do Estado de São Paulo (2014), o conceito de gênero foi formulado nos anos 70 para distinguir a dimensão biológica da dimensão social: “Embora a biologia divida a espécie humana entre machos e fêmeas, a maneira de ser homem e de ser mulher é expressa pela cultura. Assim, homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência direta da anatomia de seus corpos”. (p. 11). O papel de gênero é, destarte, “o comportamento social, culturalmente determinado e historicamente circunscrito, esperado para homens e mulheres.” (p. 12). Que varia conforme cada contexto cultural e histórico.

É importante compreendermos que o sexo biológico com o qual um indivíduo nasce, seja masculino (pênis, testículos, próstata) ou feminino (vagina, ovários, útero) não determina a sua orientação sexual ou a sua identidade de gênero. Pesquisas da Neurociência indicam que essa diferença também decorre da morfologia cerebral, que pode ser influenciada tanto por questões genéticas, hereditárias, quanto por experiências durante o desenvolvimento, embora sua causa não seja única nem certa (MYERS, 2010). Segundo Papalia e Feldman (2012), existem áreas do cérebro que fazem parte do sistema límbico e são responsáveis por funções não controlamos de forma consciente, entre elas a atração e o desejo sexual. Em relação à orientação sexual pesquisas de mapeamento cerebral revelam semelhanças de estruturas e funções cerebrais entre homossexuais e heterossexuais do sexo oposto.

Freud, em seu texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, vai citar a expressão de uma pessoa que se descreve como “um cérebro feminino num corpo masculino” (p. 89). Nessa obra ele argumenta sobre a multiplicidade de constituições sexuais,questionando a concepção heteronormativa, de que existem apenas o homem e a mulher, e de que a única relação possível seja a heterossexual. Ele cita a existência do hermafroditismo (pessoas que nascem com órgãos sexuais tanto masculinos como femininos), e conceitua o “Hermafroditismo ou hibidrismo psíquico”, esse não relacionado aos órgãos genitais propriamente, mas a estrutura psíquica. Pessoas consideradas como hermafroditas também podem ser denominadas como “Intersexo”. Segundo a WPATH (Associação Mundial Profissional para a Saúde Transgênero) o hermafroditismo pode ser conceituado como: “Condições em que o desenvolvimento do sexo cromossômico, gonadal ou anatômico não se ajusta ao modelo binário convencional do sexo. (2012, p. 107).

Retomando o aspecto da identidade de gênero, Sponton e Scarpari vão considerar a definição cisgênero a pessoas que se identificam com o gênero correspondente ao seu sexo biológico, e transgênero aqueles que se sentem com um gênero diverso da sua constituição física. Segundo Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) o termo cisgênero foi utilizado pela primeira vez por um homem trans holandês, Carl Buijs, para se referir a pessoas cuja identidade de gênero está em concordância com o gênero socialmente atribuído ao seu sexo. Em relação aos transgêneros temos o conceito de transexuais, pessoas que geralmente desejam realizar modificações corporais como terapia hormonal ou cirurgia de redesignação sexual, para adequarem “suas características físicas de nascimento à sua identidade de gênero” (p. 52), embora nem todos manifestem essa necessidade.

Segundo Peres e Toledo (CRP SP, 2011) transexuais são pessoas que “não se identificam com seus genitais biológicos (e suas atribuições sócio-culturais), podendo, às vezes, utilizar da cirurgia de transgenitalização para construir suas expressões de gêneros em consonância com seu bem estar biopsicossocial e político;” (p. 79).

Mulher transexual é aquela que nasceu com sexo biológico masculino mas possui uma identidade de gênero feminina, enquanto o homem transexual é aquele que nasceu com o sexo biológico feminino mas possui uma identidade de gênero masculina. Já o termo travesti é um pouco controverso, para Sponton e Scarpari (2016) o conceito é usado apenas para homens com identidade feminina, indicando que fale-se sempre “a travesti”; já outros autores, como Peres e Toledo (CRP SP, 2011) relatam que existem solicitações de mulheres biológicas que possuem identidade masculina e reivindicam ser tratados como “os travestis”. Segundo Luiz (CRP SP, 2011): “Quase sempre falamos as travestis, mas poderiam ser também os travestis, porque também mulheres se travestem.” (p. 25/26). Sponton e Scarpari (2016) argumentam que travestis são pessoas que, embora realizem alterações corporais (como uso de hormônios, colocação de prótese mamária, etc), não manifestam desejo da cirurgia de mudança de sexo. Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019), definem travesti como pessoa que “(...) assume um posicionamento social e político diante das dinâmicas de gênero postas na sociedade, se opondo ao gênero designado no nascimento, sem intenção de exclusão de sua genitália”. (p. 194). Travestis são, destarte, pessoas que aceitam sua genitália de nascimento mas que possuem a orientação e o desejo de se apresentarem visualmente como o gênero oposto.

Segundo Sponton e Scarpari (2016) o termo transgêneros ainda abarca outros grupos que se encontram fora do padrão dominante, como: Crossdresser: “Pessoa que se veste com roupas do sexo oposto para vivenciar momentaneamente papéis de gênero diferentes daqueles atribuídos ao seu sexo biológico, mas, em geral, não realiza modificações corporais e não chega a estruturar uma identidade transexual ou travesti.” (p. 15); Drag Queen: homem que se veste com roupas femininas para apresentações artísticas e profissionais, e Drag King: mulheres que se vestem com roupas masculinas para os mesmo fins do anterior citado.

A WPATH (2012) afirma que existem pessoas transgênero em todo o mundo, em diferentes culturas e sociedades, mesmo naquelas em que essa existência é criminalizada até mesmo com a pena de morte.

O termo LGBT se refere a lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (transexuais, travestis, crossdressers, drag queen/king, dentre outros), abarcando todos aqueles que não possuem uma orientação sexual ou identidade de gênero convencional. Inicialmente a sigla utilizada foi GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) tendo posteriormente sido modificada para GLBS, e depois para GLBST (acrescentando as categorias bissexual e transgênero). A sigla foi modificada para LGBT na 1ª Conferência Nacional GLBT realizada em Brasília em 2008, visando à valorização do “L” de lésbicas diante da histórica opressão decorrente do machismo. (DPESP CAM, 2011). Alguns autores passaram a acrescentar outras letras à sigla como LBGTQI, acrescentando os termos Queer (gênero não binário, que não se encaixa na heterocisnormatividade) e Intersexuais (hermafroditas). (DAMASCENO JUNIOR; RIANI, CRP MG, 2019). Podemos, pois, perceber através dos conceitos apresentados acima, como a sexualidade humana é complexa e diversa, não devendo ser reduzida somente aos termos discutidos, visto que os usamos na tentativa de compreender e até mesmo classificar as pessoas.

“Chamamos de Diversidade Sexual as infinitas formas de vivência e expressão da sexualidade.” (p. 10).
Elenco da série Sense8 na parada LGBT em São Paulo (2016).

Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) discutem que a maioria das sociedades atualmente ainda rejeita a natureza da diversidade sexual, punindo todos aqueles que não seguem o padrão imposto. Segundo a Cartilha sobre Orientações para o Atendimento LGBT (2011), promovida pela EDEPE (Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo), a sexualidade deve ser compreendida como “parte integrante de todo ser humano e está relacionada à intimidade, à afetividade, ao carinho, à ternura, aos sentimentos e também às concepções, valores e regras que permeiam as nossas relações afetivas e sexuais”. Segundo os autores, nós construímos a nossa sexualidade a partir de nossas relações com o mundo durante todo o nosso processo de desenvolvimento, desde o nascimento até a velhice. Nesse sentido, a sexualidade “não é algo puramente instintivo, como pode parecer, mas, como toda construção, tudo o que sentimos sofre grandes influências da cultura, do nosso grupo social, da nossa época” (p. 07).


Tiago de Sousa Medeiros


REFERÊNCIAS:


BRASIL. Governo do Estado de São Paulo; Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Diversidade Sexual e Cidadania LGBT. Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual: 2014, 44 p.


BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual.Conselho Nacional de Combate à Discriminação, 2004, 31 p.


CRP SP, Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo. Psicologia e Diversidade Sexual. São Paulo, 2011, 91 p.


DAMASCENO JUNIOR, Almir Ferreira; RIANI, Sergio Rosa Neves. Gênero, diversidade sexual e direitos humanos: uma visão sobre a LGBTfobia institucional. In: ____. CRP MG: Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. O fazer da Psicologia no Sistema Único de Assistência Social. Belo Horizonte, MG, 2019, p. 184-201.


DPESP CAM, Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Centro de Atendimento Multidisciplinar. Orientações para o atendimento LGBT. São Paulo: EDEPE, 2011, 26 p.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In:____. Volume VII (1901-1905). 4ª ed. Imago, 1.905, p. 77-151.


IMBROISI, Margaret. Cupido – O Mito dos Enamorados. História das artes, jun. 2016. Disponível em: < https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/cupido-o-mito-dos-enamorados/> Acesso em 17 jul. 2019.


MYERS, David G. Orientação Sexual. In:_____. Psicologia. 9ª Ed. New York: LTC GEN, 2.010, cap. 11, p. 357-364.


PAPALIA, Diane E; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Psicossocial na Adolescência. In:______. Desenvolvimento Humano. 12ª Ed. São Paulo: AMGH Editora Ltda, 2012, cap 12, p.420-448.


SPONTON, Leila Rocha; SCARPARI, Giovanna Kliemann. Cartilha do Atendimento - Qualidade do atendimento na DPESP: demandas complexas. São Paulo: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 2.016, 116 p.


WPATH, World Professional Association for Transgender Health. Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero. 7ª versão. 2012, 123 p.

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