Na obra Além do Princípio do Prazer de 1920, Freud a partir do ponto de vista econômico do aparelho psíquico, recém reformulado na segunda tópica, analisa o princípio do prazer. Constata que o prazer corresponde a uma diminuição, uma descarga na quantidade de excitação, enquanto o desprazer, um aumento. Entretanto algo põe em dúvida o papel desempenhado pelo princípio do prazer. A compulsão à repetição de eventos traumáticos que observou em sua clínica mostra que o princípio do prazer não guia todo o funcionamento psíquico, há algo além dele.
Os sonhos de pacientes neuróticos traumáticos que voltaram da guerra mostra o comportamento mental de reconduzi-los ao momento da situação traumática. Fica clara a observação de uma compulsão que leva à repetição de experiências desagradáveis. Este comportamento não foi notado apenas nesses pacientes. Observando a brincadeira de seu neto, onde este arremessava um carretel e depois o puxava de volta, Freud analisou a brincadeira como uma encenação da ida e volta da mãe.
O que chamou a atenção e permitiu esclarecimento sobre a compulsão recém descoberta é que o ato de lançar o carretel se repetia mais, logo seria mais prazeroso. O jogo também colocava a criança de uma posição passiva no momento do afastamento materno, a uma posição ativa que o possibilitava reelaborar a situação. O mesmo se dá quando uma criança repete a desagradável ida a um médico, por exemplo, na brincadeira com um amigo, mas dessa vez no papel do médico, posicionando o outro no papel do que passa pela experiência desagradável.
Freud analisa a função dos sonhos traumáticos como que instaurando, retroativamente, a angústia onde ela faltou, ou seja, na ocasião traumática original. Também nos fenômenos clínicos da resistência e transferência constata que estes provem do Ego, uma vez que o material reprimido não oferece resistência, mas luta pela sua manifestação através da repetição.
Desde o Projeto Para Uma Psicologia Científica (1895) Freud descreve o processo de proteção contra os estímulos exteriores do aparelho psíquico. Entretanto, não haveria um sistema de proteção contra as excitações provindas de seu interior, sendo estas fontes de desprazer, o aparelho tende a tratá-las como excitações exteriores. A posição destes estímulos exteriores, num ponto de vista econômico, seria maior do que a dos estímulos externos. De tal forma, um trauma é proveniente de um fracasso do escudo protetor contra uma excitação forte o suficiente para atravessar a barreira protetora.
O papel da angústia seria, por meio da hipercatexia, fortalecer o escudo protetor, estabelecendo uma capacidade ainda maior do que a anterior de suportar os estímulos externos. Se omitida, pode causar neuroses traumáticas. Os sonhos de angústia parecem então uma tentativa de reestabelecer tal angústia que faltou. Esta função do aparelho psíquico parece ser mais primitiva e primordial do que sua dominância pelo princípio do prazer.
Assim, o impulso à repetição é inerente a toda forma de vida. Induz a uma volta a um estado anterior a todas as coisas, antes de toda a forma de vida ter de alterar seu estado orgânico em virtude de perturbações externas. É um movimento em direção à inércia, à quietude. Esta é a pulsão de morte. Ao lado da pulsão de vida (Eros), que busca uma união de todas as unidades em um todo maior, dirige o funcionamento da vida psíquica. As razões do morrer de toda a vida orgânica passam a ser internas e não apenas determinadas pelo mundo externo.
A pulsão de morte não contracena originariamente com nenhuma outra espécie de pulsão e as pulsões sexuais são identificadas como forças perturbadoras "externas". Uma parte da libido do ego é sexual e destina-se aos objetos sexuais. A junção de duas células apenas ligeiramente diferentes pode ocasionar a renovação da vida, pois aumenta tensões introduzindo diferenças vitais. A vitalidade resulta da tensão introduzida pela diferença. Os processos vitais do indivíduo levariam por si mesmos e por razões internas - que identificamos como o próprio princípio da repetição ou pulsão de morte - a uma abolição das tensões químicas. O sexual é a introdução da diferença que barra a repetição e pela qual o princípio do nirvana "pode encontrar expressão no princípio do prazer".
Na origem o Ego era indiviso e o Id é o grande reservatório da libido. Sob o impacto traumático do excesso quantitativo, pela ação da pulsão de morte, há divisão e daí a diferença e o desejo de reunião. A pulsão pulsará ainda pelo retorno, pela "necessidade de restaurar um estado anterior de coisas", mas por caminhos que importam em um aumento temporário de tensão tal como a diferença exige.
O problema da relação da pulsão de morte com a dominância do princípio do prazer fica em aberto. Distinguindo função e tendência, Freud afirma que o princípio do prazer é uma tendência que opera a serviço de uma função, que é libertar inteiramente ou conservar tão baixa quanto possível a quantidade de excitações no aparelho psíquico. O princípio do prazer, operante desde o início da vida mental, não foi, entretanto, dominante, pois no começo da vida mental a luta pelo prazer era muito mais intensa, mas sujeita a constantes interrupções.
Assim, o ponto de vista econômico ganha uma nova concepção. O novo conceito sobre angústia agora a define como sendo governada através da relação com a pulsão de morte. Os estados de angústia são uma reprodução do trauma do nascimento, que nos expõe aos perigos do mundo externo ao resto da vida, e, da mesma forma, se repete até a morte. O estado anterior é indiviso, o nascimento nos faz romper com este, ao mesmo tempo em que nos institui a pulsão e o Outro se torna aquele que pode fornecer um escudo para a criança contra os estímulos externos. A natural falha do escudo contra os mais diversos estímulos desencadeia a reedição da situação traumática.
Quando há a percepção de que um objeto externo pode pôr fim ao sofrimento e ao perigo eminente (tal objeto é a mãe), o conteúdo do perigo é deslocado para a perda do objeto. O perigo agora é a ameaça da perda deste. A angústia torna-se uma reprodução intencional como sinal de perigo, e a reação ao perigo toma a forma de uma reação ligada à representação da perda do objeto ou da possibilidade de seu afastamento. O sexual infantil é ditado pela influência de um ser externo, o Outro materno, que o introduz o mecanismo automático da angústia. O medo da separação retorna na fase fálica, onde a angústia é de castração, em associação com a ameaça da perda do falo. A última fase da angústia de perda objetal, com a despersonalização do agente parental e abstração de sua representação, o medo é de morte, um medo do Super Ego projetado diante dos poderes do destino.
A emissão e a percepção da angústia acontecem através do Ego que percebe uma situação de perigo e produz a angústia. A geração de um sintoma, resultado do trabalho do Ego já descrito, pode por fim a uma situação de perigo percebida. O ser adulto dispõe de uma capacidade psíquica mais rica do que a de uma criança, por exemplo, para lidar com tais situações traumáticas. Mas todos tem um determinado limite, onde o aparelho psíquico irá falhar na tentativa de domar o perigo.
Entretanto, alguns neuróticos insistem em repetir a situação traumática mesmo quando a ameaça à vida não está mais presente. Mesmo sem nenhuma representação externa, a angústia, que está a serviço da pulsão de morte em favor da preservação da vida, é preservada, o analista estará fadado ao fracasso, no combate a essa pulsão narcisicamente inacessível, e alimentará o sentimento de culpa de raízes edípicas.
A angústia então, que será tema de outros trabalhos do pai da psicanálise, é então a legítima manifestação da pulsão de morte. Tem raízes no trauma do nascimento, foge do controle consciente e é resistente e inflexível. A compulsão à repetição parece não se importar com a inclinação ao prazer ou desprazer. O homem está desamparado desde o nascimento, e a pulsão de morte oferece um destino confortável, no vazio e na quietude: uma morte, não causada pelos perigos externos, mas pelos próprios meios naturais de deterioração da vida.
Por: Emerson Dutra Filho
Bibliografia:
FREUD, Sigmund (2006) Além do Princípio de Prazer. Psicologia de Grupo e Outros Trabalhos. 1920-1922 - Volume 18. Editora Imago, 2006;
GAY, Peter (1989). Freud: Uma Vida Para o Nosso Tempo - Edição Econômica - Companhia das Letras. São Paulo, 2013;
DAVID-MENARD, Monique. Como ler Além do princípio do prazer?. Reverso, Belo Horizonte , v. 37, n. 69, p. 99-112, jun. 2015 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952015000100011&lng=pt&nrm=iso> Acesso em 15/12/2016.
Portal Núcleo Sephora de Pesquisa, Além do Princípio do Prazer. Disponível em: <http://www.isepol.com/alem_do_principio_prazer.html> Acesso em 08/11/2016.
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