Associações, resistência e transferência são conceitos já conhecidos pelos profissionais e estudantes da psicanálise e que são enfatizados por Jacques Lacan como presentes no veículo do discurso da fala, veículo essencial no processo psicoterapêutico. No centro desse discurso do paciente em processo terapêutico está o núcleo patógeno, uma representação fixa fora do nível associativo consciente que é responsável pela formação dos sintomas.
As associações que são encontradas no discurso são marcadas pelas resistências que surgem no processo da fala e são um compromisso entre o que se pretende alcançar no trabalho analítico e o que a resistência exige na proteção do núcleo. Desta forma o processo em si do discurso é que carrega grande responsabilidade na formação da resistência. Jacques Lacan (2009, p. 59) adverte seus alunos a abandonar o conceito de resistências fixas, em coerência com o inconsciente, recalcadas, mantidas e cujos elementos identificados são dados num determinado momento específico e regular. A resistência se dá na experiência do processo analítico junto ao analista, no movimento e no exercício da revelação do sujeito.
Assim tambem se dá com a transferência: quando algo relativo ao núcleo patógeno é suscetível de se reportar à figura do analista a transferência fornece as novas associações que afastam o discurso dessa direção, complementando o trabalho da resistência que protege o núcleo patógeno.
Ao explorar as propriedades da transferência, Lacan (2009, p. 61) coloca a questão da atualização da pessoa do analista, mas não do analista em si, e sim de uma presença que perpassa experiências ulteriores do sujeito. Nós não podemos realizar todas as presenças de nossa vida, isso exigiria um grande dispêndio de energia psíquica e seria impossível lidar com cada presença e seu remanescente de presença que se faz a partir de um outro. Assim, vivemos afastando as presenças que nos rodeiam. Porem, a transferência é uma oportunidade de realizar alguma presença às custas da presença analista.
Ora, no momento em que um discurso que responde à investigação analítica é hesitante e não sabe mais pra onde ir, a resistência pode se apresentar pelo ângulo transferencial (2009, p. 66). O analista é aquele que fornece o contexto propício para a realização das presenças das coisas. Assim a análise se dá ao ponto que se possa realizar os "outros" da vida do paciente. Mas o real problema é "saber a qual nível esse outro é realizado, e como, e em que função, e em que círculo de sua subjetividade, a que distância se encontra esse outro." (LACAN, 2009, p. 70)
É impossível determinar uma resposta apenas para tais questões, visto que ao longo da análise isso pode variar constantemente. Ora, se a palavra não pode dar conta do conteúdo que se encontra impossível de acessar o consciente dentro do processo analítico, ela se reduz à função primária e fundamental de relação com o outro, de mediação. A mediação ocorre em direção à posição que o outro ocupa para o sujeito falante, posição essa que, segundo a teoria psicanalítica, ocupa papel fundamental na construção do Eu. A resistência projeta suas marcas no sistema do eu na medida em que esse eu não existe sem o sistema do eu de um outro. "O eu é referente ao outro. O eu se constitui na relação com o outro. Ele é seu correlato. O nível no qual o outro é vivido situa exatamente o nível no qual, literalmente o eu existe para o sujeito" (LACAN, 2009, p. 71).
Com a atuação das resistências, aquilo que precisa ser dito não é encontrado em sua totalidade e apenas é dito aquilo que se encontra disponível após um número de recalques. O que vem ao discurso é o resto do que não pode ser dito. A medida em que a palavra não pode dar termo ao núcleo recalcado ela se liga àquilo que o interlocutor fornece, à presença outro.
A resistência que se faz no sistema do eu parte da impotência de realizar a verdade do sujeito falante através de uma palavra plena. Assim, para o trabalho de análise, possibilita-se duas formas de investigação: uma numa investigação de um discurso pleno e íntimo e outra num discurso vazio que se perde nas maquinações da linguagem e que se refaz constantemente no aqui e agora da relação com o analista, emaranhado num sistema de associações que, vez por outro, afluem em resistências e transferências (2009, p.71). Esse discurso vazio leva o analista a agarrar-se ao outro e procurar o eu do paciente alem do que se apresenta, alem do discurso. Na ocorrência de palavras vazias, procura-se o não realizado entre projeções do próprio analista e resistências.
Há ainda um caso que põe em questão a função de apoio no outro, um caso de violência implícita da palavra, uma palavra que não serve para uma mediação já realizada e reduz o outro a uma função correlativa à do sujeito. "Por que o outro se torna tanto menos verdadeiramente outro quanto mais se torna exclusivamente função apoio? Por que o sujeito se aliena tanto mais, quanto mais se afirma como eu?"(LACAN, 2009, p.73)
Tais aspectos da relação eu a eu e das funções das palavras que são realizadoras ou não põem em questão a própria técnica psicanalítica, questiona o que significa e até onde vai essa função de apoio, da qual o analisa é libertador no manejo da fala e produtor de resistências ego a ego e proporcionam mais alguns subsídios teóricos sobre a realização da presença de um outro pelo qual se realiza uma outra presença, seja em função de uma resistência ou em função do sucesso da investigação analítica.
Emerson Dutra Filho
Referência:
LACAN, Jacques. O Eu e o Outro. In: ______ . O Seminário, Livro 1 Os Escritos Técnicos de Freud. Rio de Janeiro, 2009. Cap. IV, p.56-73.
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