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Homofobia e Transfobia

Atualizado: 8 de jan. de 2020

De onde surgem esses sentimentos de ódio e aversão, com traços inconscientes e animalescos, que emergem diante de pessoas homossexuais e transgêneros? Para algumas pessoas as relações sexuais e afetivas só são “corretas” e legitimadas se ocorrerem entre “opostos”. Algumas pessoas até “respeitam” que existam aqueles que amem alguém do mesmo sexo, desde que distante de seus olhos, sendo inadmissível qualquer manifestação pública de afeto, mesmo que seja um simples andar de mãos dadas. Para algumas pessoas a identidade de gênero possui limites rígidos, o que nos faz questionar: o que define um homem e uma mulher? Um pênis e uma vagina são suficientes? Algumas pessoas em nossa sociedade acabam sendo proibidas de expressar sua identidade, seus desejos e seu amor. Faz parte da história da humanidade que alguns grupos sejam desvalorizados para que outros possam sentir-se superiores.

Podemos definir a homofobia como aversão, medo e/ou ódio irracional contra pessoas homossexuais, gerando situações de discriminação e violência. Embora a homofobia seja um termo amplo utilizado para se referir as violações que a população LGBT enfrenta, existem outros termos empregados atualmente, como a transfobia, relacionada à identidade de gênero que foge ao padrão estabelecido socioculturalmente. Segundo Uchoa (2018) o termo homofobia surgiu na década de 70, cunhado pelo psicólogo americano George Weinberg em sua obra “Society and the Healthy Homosexual” (1972). 

Segundo a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Governo do Estado de São Paulo (2014): “LGBTs estão nas mais diferentes classes sociais, ocupam todo tipo de profissão, têm estilos de vida diversos. Mas há em comum o fato de que sofrem preconceito e discriminação e, por isso, encontram-se, muitas vezes, em situações de vulnerabilidade.” (p. 25).

A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo (2014) afirma que a população LGBT precisa de políticas públicas específicas em face da exclusão histórica a qual foram, e continuam a ser, submetidas. De acordo com os autores, as pessoas LGBTs sofrem diversas situações de vulnerabilidade e discriminação, como o rompimento ou a fragilidade dos vínculos familiares; impedimento de manifestações de afeto em público; preconceito vivenciado nas escolas que acaba provocando, em vários casos, o abandono dos estudos; o que dificulta o acesso ao mercado de trabalho,  fazendo com que muitas pessoas travestis, por exemplo, escolham a prostituição como forma de sobrevivência, embora esse não deva ser um estereótipo a ser reforçado, pois nem todas as pessoas travestis são profissionais do sexo; o que deve ser discutido é a marginalização e exclusão social a qual esse público é “empurrado”. Vale citar que a prostituição se tornou uma atividade legalmente reconhecida como profissão a partir da inclusão do nº 5198-05 (profissionais do sexo) na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para fins de previdência social e benefícios; havendo também (como em outros casos) a possibilidade de contribuição individual sem declarar a ocupação. É importante esclarecer que tirar proveito da prostituição como, por exemplo, manter um estabelecimento comercial ou induzir alguém a esse trabalho, continua a ser crime conforme os artigos 228, 229 e 230 do Código Penal. Segundo o Ministério da Saúde (2013), através da Política Nacional de Saúde Integral LGBT: “A prostituição para as travestis significa não apenas sua sobrevivência financeira, mas também a possibilidade de pertencimento social, que lhes é negado em outros espaços, (...)” (p. 14). O MS também demonstra preocupação com as frequentes notícias sobre mortes de transgêneros por aplicação indevida de silicone industrial e uso indiscriminado de hormônios sem orientação médica, devido ao sofrimento causado por não adequarem suas características físicas a sua constituição psíquica e não encontrarem o tratamento adequado pela rede pública de saúde.

Em relação a maior vulnerabilidade de gays e bissexuais masculinos sobre contágio por doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV, especialmente entre os mais jovens, o Ministério da Saúde (2013) através da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, argumenta sobre a importância de se pensar criticamente os contextos das quais essas pessoas fazem parte: “A impossibilidade de manifestar sua orientação sexual no interior da família e nos locais públicos define para os gays o destino do exercício clandestino da sexualidade. Essa situação os leva a frequentar lugares e situações desprovidos de condições favoráveis à prevenção de doenças.” (p. 16). 

Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) consideram a homofobia como um “sistema de humilhação coercitivo”, que varia desde as formas mais sutis até as mais cruéis (p. 195). Segundo Barbero (CRP SP, 2011): “Os assassinatos de homossexuais continuam, depressões e suicídios são frequentes nesta população, as agressões, ridicularizações e zombarias se estendem grandemente nas escolas e grupos de adolescentes.” (p.  62). O preconceito e a violência a que estão submetidas as pessoas trans pode aumentar sua vulnerabilidade e fazer com que desenvolvam problemas de saúde, como transtorno de ansiedade, depressão, podendo ocasionar, em casos mais graves, tentativas de autocastração e suicídio. Segundo a WPATH (Associação Mundial Profissional para a Saúde Transgênero, 2012) esses problemas são socialmente provocados e não são inerentes a condição de ser homossexual ou transgênero, embora muitas pessoas associem essas comorbidades a homossexualidade e a transexualidade em si, e não a homofobia e a transfobia. 

Segundo Peres e Gonçalves (CRP SP, 2011) o preconceito e a discriminação contra pessoas transgênero começa com a própria família, conforme argumentam: “Essa primeira experiência de estigmatização no seio da família vivido pelas travestis e transexuais dá início a um processo de enfraquecimento da autoestima e da crença em si mesma, tornando-as inicialmente confusas e desorientadas.” (p. 80). E continuam: “As experiências de estigmatização que enfraquece a potência de vida dessas pessoas não se restringem ao espaço doméstico, mas se estendem pelas vizinhanças, escolas, hospitais, serviços de saúde, segurança pública, enfim, se processam nos mais diversos espaços de circulação social (...)” (p. 81). Segundo pesquisa da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) realizada em 14 capitais brasileiras, mais de um terço de pais de alunos não gostaria que homossexuais fossem colegas de escola de seus filhos. Segundo a referida pesquisa, os professores não somente tendem a se silenciar diante de atitudes homofóbicas dos pais e alunos, como também tendem a participar de sua reprodução. (2004, apud MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).

Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) argumentam que o preconceito “é uma construção social e cultural” (p. 194). O preconceito pode rapidamente transformar-se em discriminação e assumir diferentes formas de expressão como a violência física, moral ou psicológica; muitas delas podendo ter uma manifestação mais implícita e velada. Os autores argumentam que a discriminação contra os homossexuais e transexuais pode dar-se de formas sutis, como por exemplo, dar risada de uma piada com conteúdo homofóbico ou transfóbico e reproduzi-la, ou presenciar algum tipo de violência decorrente da orientação sexual ou identidade de gênero e não fazer nada, etc. Santos (CRP SP, 2011) afirma que: “(...) na grande maioria das vezes, a homofobia se apresenta mascarada, de maneira subliminar, quase imperceptível, porém nem por isso menos perniciosa e perigosa.” (p. 71).

Segundo Soares (CRP SP, 2011) uma pessoa transgênero pode acabar “vestindo um personagem” para poder ser aceito e sobreviver. A autora argumenta que muitas pessoas, só depois de casarem e terem filhos, podem ter a oportunidade de compreenderem sua sexualidade e ver surgir algo que esteve guardado, reprimido e recalcado desde a sua infância. Como Teixeira Filho (CRP SP, 2011, p. 55) argumenta: “Logo, quanto mais homofóbico for este contexto, maiores serão as chances de a pessoa homossexual se fechar em seus ‘armários’ por medo de sofrer alguma retaliação, por se sentir ‘estranha’, inadequada e anormal perante uma sociedade onde todos(as) são compulsória e presumivelmente heterossexuais.” Como Luiz (CRP SP, 2011) discute:

“(...) porque estar ‘dentro do armário’ traz sofrimento para si; ‘sair do armário’ também, porque gera preconceito e discriminação. Em qualquer lugar que estejamos, dentro ou fora, estamos de alguma forma sofrendo pressão, ou de nós mesmos ou da sociedade. É um lugar quase sempre de muita dor, muito difícil atravessar sem sofrer” (p. 28/29).

Teixeira Filho (CRP SP, 2011) cita autores que apresentam como consequências da homofobia: a não aceitação/negação de sua sexualidade, tentativa de mudá-la buscando promessas de cura ou reorientação (que não são aceitas e comprovadas cientificamente), tentativa de vivenciar um casamento heteroafetivo para ser aceito socialmente, agressão e desprezo pelas pessoas “assumidas”, envolvimento em relações abusivas (podendo ser tanto a vítima quanto o abusador), abuso de SPA (substâncias psicoativas), ideações suicidas, entre outros. Sobre os fatores sociais que afetam o aumento na taxa de suicídios entre a população LGBT, Netto (CFP, 2013) argumenta: “(...) um fenômeno que vem crescendo e que também traz uma denúncia importante é o suicídio de homossexuais, transgêneros e mais especificamente transexuais, sendo que a maioria deles está diretamente ligada ao preconceito, à homofobia, à não aceitação da família e às mais diversas formas de violência às quais essas pessoas estão submetidas cotidianamente.” (p. 101). 

Segundo a WPATH (2012), os tratamentos utilizados no decorrer da história para mudar a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa nunca obtiveram sucesso comprovado e são antiéticos. Vários tratamentos foram utilizados na tentativa de “curar” pessoas homossexuais como terapias comportamentais, hipnose, eletrochoques, tratamentos hormonais, prisões, torturas, até mesmo pena de morte. Nenhum deles surtiu resultado. Vale citar a história de Alan Turing, importante cientista e matemático britânico, considerado o pai da ciência computacional e da inteligência artificial, responsável por desenvolver uma máquina capaz de decifrar o “Enigma” (código utilizado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial) garantindo aos aliados uma vantagem que permitiu derrotar mais depressa a Alemanha. No entanto, apesar de suas notáveis contribuições, enfrentou um processo criminal em 1952, pois ele era homossexual e na época, na Inglaterra, a homossexualidade era considerada crime. Foi condenado e teve que escolher entre a prisão ou a castração química; optou pela castração para poder continuar seus estudos, mas após um ano tomando injeções com hormônios ele cometeu suicídio aos 41 anos de idade. Em 2009, o então primeiro-ministro inglês Gordon Brown, se desculpou em nome do governo, e no dia 24 de dezembro de 2013, Turing foi perdoado pela rainha Elizabeth II. Essa história faz com que nos questionemos os riscos de um tratamento sem base científica. (O JOGO DA IMITAÇÃO, 2014).

Segundo Emmanuele Jannini (apud UCHOA, 2018) professor de Endocrinologia e Sexologia da Universidade de Roma Tor Vergata, a homofobia é somente a “ponta do iceberg”, associando o comportamento homofóbico a traços de personalidade agressivos. Sobre o autor, Uchoa escreve que ele “gerou polêmica com um artigo publicado no Journal of Sexual Medicine em 2015, no qual relacionou a homofobia ao psicoticismo (potencialmente marcado pela raiva e hostilidade), mecanismos de defesa imaturos (propensos a projetar emoções) e um vínculo parental instável (levando à insegurança subconsciente).” Segundo Barbero (CRP SP, 2011): “Há ainda um halo de negatividade ligado a estes comportamentos, em todos os âmbitos, tão forte e arraigado,  que excede os argumentos racionais de qualquer ordem e se relaciona com o impensado, o recalcado, o puramente emocional.” (p. 63). Peres e Gonçalves (CRP SP, 2011) argumentam que a homofobia e a transfobia não se constituem como uma fobia psicológica individual, mas como uma fobia social. Essas reações imediatas de intolerância e agressividade nos fazem questionar a origem desses sentimentos inconscientes que emergem, podendo expressar não somente ódio e aversão, mas também fantasias e desejos incontidos e recalcados.  Barbero (CRP SP, 2011) vai argumentar que, segundo a Psicanálise, todos nós possuímos, consciente ou inconscientemente, desejos homossexuais. Freud argumentava, em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), que todo ser humano nasce naturalmente com uma inclinação bissexual, que depois terá seus suas pulsões dirigidas a um sexo específico ou a ambos, conforme a conclusão do Complexo de Édipo. Peres e Gonçalves (CRP SP, 2011) apontam que existem pessoas que não sabem lidar com identidades estranhas ao seu universo de referências. O encontro com o novo, com a alteridade, com o diferente, sempre gerará ansiedade, nos fazendo repensar nossas próprias vidas, nossos desejos, nosso gênero, nossos atos. “A homofobia se converte assim na guardiã das fronteiras sexuais (hetero/homo) e de gênero (masculino/feminino)”. (PERES;  GONÇALVES, CRP SP, 2011, p. 86).

“A transfobia exprime a hostilidade, a aversão sistemática, mais ou menos consciente, em respeito a esses indivíduos os quais a identidade confunde os parâmetros dos papéis sócio-sexuais e transgride as fronteiras entre os sexos e entre os gêneros.” (LOUIS-GEORGES TIN, 2003, apud PERES; TOLEDO, CRP SP, 2011, p.86).

Segundo Barbero (CRP SP, 2011) a “conduta enfeminada” dos gays tende a ser vista como covarde, associada ao “passivo-feminino”, proveniente de uma sociedade machista e sexista, que sempre desvalorizou a imagem da mulher e do gênero feminino. “Os homossexuais – na representação passiva que deles se faz nesta forte fobia social – estariam mostrando de forma escancarada um desejo, recalcado nos heterossexuais, de passividade frente a um pai idealizado onipotente, um desejo de volta do pai totêmico à que Freud aponta estudando a psicologia das massas. (...) A fobia ocultaria um desejo de submissão insuportável, uma falha negada que, tal como na passagem ao ato da violência doméstica, oculta uma fragilidade do lado masculino, e não somente a submissão da mulher, apontada insistentemente nas explicações deste fenômeno.” (BARBERO, CRP SP, 2011, p. 67).

Santos (CRP SP, 2011) define a homofobia como: “(...) a discriminação contra as pessoas que mostram ou a quem se atribui algumas qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero.” (p. 71). Teixeira Filho (CRP SP, 2011) argumenta que a homofobia tenta determinar as expressões de gênero esperadas pelo “masculino” e pelo “feminino”, bem como nossas práticas sexuais;  conforme discorre: “(...) ela é um dispositivo de controle que tenta disciplinar nosso desejo, nossas pulsões, nossos corpos e nossos prazeres.” (p. 42). Segundo Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) tudo o que é ligado ao que é externo, como a vida política, tende a ser associado ao homem, e tudo que é ligado ao interno, tende a ser relacionado a mulher, como o cuidado com o lar e os afazeres domésticos. Segundo os referidos autores, o masculino tende a denominar o papel do homem “e” da mulher, numa desigualdade de poder.

Para Welzer-Lang (2001, apud TEIXEIRA FILHO, CRP SP, 2011) a homofobia pode ser descrita de uma forma mais abrangente, como: “o demérito e a desqualificação das qualidades consideradas femininas nos homens e, numa certa medida, as qualidades ditas masculinas nas mulheres.” (p. 51). Nesse sentido a homofobia afeta também a heterossexualidade e outros expressões sexuais e de gênero. Noronha (2018) aponta que o machismo consiste no “enaltecimento do sexo masculino sobre o feminino”, que pode se expressar através de pensamentos e opiniões como “Lugar de mulher é na cozinha”, contribuindo para a desigualdade de direitos entre os gêneros. Vale salientar, segundo a autora, que não somente os homens são machistas, as mulheres também o podem ser, quando, por exemplo, se julgam inferiores aos homens justificando receber ordens ou terem sua liberdade cerceada pelos mesmos. A autora explica que o sexismo é considerado como discriminação de gênero, e embora possa afetar ambos os sexos é comumente mais expresso contra as mulheres. O termo pode ser comparado ao racismo, que julga uma raça, no caso um gênero, superior ao outro. Está associado a papéis de gênero e estereótipos, como  “menino não pode brincar de boneca e menina não pode brincar de carrinho”, “a cor do menino é azul e da menina rosa”, “mulher é frágil e deliciada”, “homem não chorra”, “menino gosta de menina”, “cuidar da casa é coisa de mulher”, “a esposa tem que ser submissa ao marido”, etc. Nesse sentido, meninas com “jeito de moleque”, que gostem de skate ou futebol, e meninos com “trejeitos femininos”, que gostem de balé ou culinária, tendem a sofrer preconceitos. Mulheres que apresentem uma “personalidade mais firme” ou homens que sejam mais delicados ou manifestem seus sentimentos, mesmo sendo heterossexuais, tendem a ser rechaçados por essa cultura machista e sexista.  Já o termo misoginia significa “ódio contra mulher”, associado a sentimentos como aversão e repulsa. Segundo a autora:

“Geralmente é decorrente da fase de construção da identidade masculina e costuma ser um resquício da dificuldade de elaboração dos sentimentos ambíguos de amor e ódio em relação às figuras parentais. Pode, ainda, indicar insegurança em relação à própria masculinidade, o que propicia o desejo de ser cruel com a mulher.” Quando essas atitudes são voltadas ao homem o conceito é misandria. Barbero (CRP SP, 2011) questiona: “Seriam a violência doméstica e a homofobia os dois extremos de uma virilidade em crise?” (p. 68). 

Teixeira Filho (CRP SP, 2011) discute que o hetereossexismo consiste em afirmar a heterossexualidade como único padrão sexual aceito e superior a todas as outras manifestações da sexualidade. Esses conceitos são importantes para questionarmos e refletirmos sobre os discursos que legitimam a dominação de um gênero ou sexo sobre o outro, chegando a justificar agressões verbais, físicas, sexuais, e todo tipo de discriminação decorrente. “Até bem pouco tempo atrás, o sexo era visto somente como forma de procriação, de modo que havia forte repressão às relações sexuais realizadas fora do casamento ou dos padrões socialmente aceitos e estabelecidos - embora o comportamento masculino fora de tais padrões fosse não só tolerado, mas aceito, não ocorrendo o mesmo com as mulheres. E isso ainda acontece.” (EDEPE, 2013). Segundo Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) o sexismo é resquício de uma cultura pratriarcal que tende a considerar a mulher como inferior ao homem e desvalorizar os atributos considerados femininos. “Podemos dizer que o machismo, o sexismo e a homofobia andam juntos ‘de mãos dadas’.” (p. 191). 

Segundo Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) as representações de gênero variam conforme diferentes culturas e momentos históricos, divergindo até dentro de uma mesma sociedade. Podemos citar como exemplos, filmes da Disney que questionam os papéis de gênero atribuídos  ao gênero feminino em diferentes contextos, como nas animações Mulan, Aladdin (através da princesa Jasmine), Valente, A Bela e a Fera, entre outros. A Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual/SP, afirma que: “Todos nós, independente do sexo biológico, combinamos características e comportamentos considerados masculinos e femininos” (p. 12).

Segundo Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) nossas referências eram, e ainda continuam a ser, centradas no adulto masculino, heterossexual, branco, cristão, burguês, físico e mentalmente saudável, sendo que qualquer característica que saia desses padrões tendem a ser descriminada, como as violências ocorridas contra as mulheres, negros, índios, pobres, homossexuais, transgêneros, pessoas com algum tipo de deficiência ou com algum transtorno mental, etc. Esses estigmas são mantidos através de diversas atitudes que temos todos os dias, desde as mais sutis até as mais escancaradas. 

A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo (2014) define como Homofobia Institucional a: “institucionalização do preconceito contra LGBTs por meio de normas impostas pelo Estado, como a criminalização da homossexualidade em países do Oriente Médio e do Continente Africano. Manifesta-se também em comportamentos e práticas discriminatórias cotidianas no atendimento a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, em instituições estatais e privadas.” (p. 22). 

Segundo a WPATH (2012), pessoas transgênero podem não buscar atendimento médico e a rede de saúde, por medo de serem julgadas e sofrerem discriminações. Peres e Gonçalves (CRP SP, 2011) argumentam que as pessoas trans “pedem maior acesso ao atendimento em saúde mental que as trate como pessoas dignas, sem classificações restritas às determinações psicopatológicas de psicóticas ou perversas devido às suas escolhas existenciais frente ao mundo.” (p. 82), citando que muitas delas preferem “se contorcer de dores em suas casas do que ter que suportar as discriminações feitas pelos operadores da saúde e de outras categorias profissionais.” (p. 85).

Luiz (CRP SP, 2011) vai argumentar sobre a importância da formação continuada de equipes de saúde e profissionais de outras áreas. Salienta-se, destarte, a importância da educação e conscientização da população, especialmente dos agentes públicos; como argumentam Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) ao citarem as dificuldades enfrentadas pela população LGBT não só pela violência sofrida, mas também pelas dificuldades em registrá-la e pela ausência de punições: “A população LGBTQI, por exemplo, não quer sofrer mais uma violência e desrespeito ao procurar uma delegacia, pois na maioria dos casos, os agentes de segurança pública não estão preparados para atender de forma digna e respeitosa, possibilitando confiança às vítimas para registrarem uma ocorrência, fragilizando, assim, os dados estatísticos ‘oficiais’ das violências sofridas.” (p. 199). Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) citam a importância de pesquisas que gerem dados e indicadores que possibilitem a criação de políticas públicas para o combate da LGBTfobia. Segundo os autores, a ausência de leis federais torna as violações que a população LGBT sofre invisíveis aos olhos do Congresso Nacional.

Mariano (2005) argumenta que a Resolução nº 001/99 do CFP surgiu devido aos casos de psicólogos ditos “evangélicos” que ofereciam terapia de reorientação sexual propondo a cura para a homossexualidade; como o caso de Rosângela Alves Justino, que chegou a afirmar que a “a maioria das pessoas que desenvolveu a homossexualidade sofreu abusos sexuais na infância e/ou adolescência” (p. 55), lutando contra o que denominou de “ditadura gay”. O autor discute a disputa conflituosa entre os evangélicos e os ativistas homossexuais que compõem as cadeiras do Legislativo. Ele cita, entre as propostas apresentadas pela bancada evangélica, o Projeto de Lei nº 713/03 do deputado estadual Édino Fonseca (PSC/RJ), pastor da Assembleia de Deus, que propôs, entre outros, “programas de prevenção ao homossexualismo”; e o PL nº 2177/03 do deputado federal Neucimar Fraga (PL/ES), diácono da Igreja Batista, que cria um programa de assistência à reorientação homossexual em todo o território brasileiro. Em contrapartida existem outras propostas com o PL n° 1151/1995 da ex-deputada federal Marta Suplicy, que regulamenta a união civil entre pessoas do mesmo sexo, e o PLS nº 134/18 da mesma autora, que cria o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero e regulamenta crimes cometidos por conta de orientação sexual ou identidade de gênero. 

Segundo Mariano (2005) a pressão exercida por parlamentares evangélicos, contribuiu para que a Constituição de 88 não acrescentasse o termo “orientação sexual” em relação aos tipos de preconceitos descritos. A autora cita organizações evangélicas como o “Moses (Movimento pela Sexualidade Sadia)”, criada em 1997, que durante as paradas do Orgulho LGBT chega a distribuir panfletos visando à conversão e cura dos homossexuais. Existem também os testemunhos de “ex-homossexuais” convertidos à igreja que “se curaram”. A Psicologia diria que isso não é possível; teria esse desejo sido recalcado?

Vianna (2011, apud DAMASCENO JUNIOR E RIANI, CRP MG, 2019) traz um importante questionamento social sobre a homofobia entre aqueles que fazem parte Legislativo:

“O Congresso Nacional brasileiro não costuma convidar traficantes de drogas para audiências públicas destinadas a debater se o tráfico de drogas deve ou não ser crime. Também não convida homicidas, ladrões ou estupradores para dialogarem sobre a necessidade da existência de leis que punam seus crimes. Já os homofóbicos têm cadeiras cativas em todo e qualquer debate no Congresso que vise a criar uma lei para punir suas discriminações.” (VIANNA, 2011, p. 198). 

É preocupante pensar que uma parcela daqueles que representam a população perante o Poder, que deveriam prezar pelos direitos garantidos em nossa Constituição, agem de formas desrespeitosas e antiéticas nomeando os homossexuais de “aberrações”, “pecadores”, “tomados por espíritos malignos” e “portadores de transtorno mental”, colocando princípios religiosos “distorcidos” acima da legislação.  Como devemos considerar a laicidade do Estado nestes casos? É correto impor uma única religião como verdadeira e autoritariamente necessária para manter a “ordem moral e os bons costumes”? Onde fica o respeito pela liberdade e pelos direitos humanos? Desde quando o Estado passou a proibir as pessoas de expressarem sua identidade? Desde quando o Estado passou a escolher por quem as pessoas se apaixonam ou com quem transam? Desde quando amar passou a ser proibido? Diante desses questionamentos, todos nós temos um importante compromisso ético e social no enfrentamento político das desigualdades, das violências estruturais, das iniquidades sexuais e de gênero. Se a homofobia, o preconceito e a discriminação são aprendidos, a compreensão, a tolerância e o respeito pelas diferenças também o podem ser.

Sobre os sentimentos de quem possui uma sexualidade considerada fora do padrão estabelecido, Austregésilo (2018) escreve: “Nossa capacidade de amar de todo o coração é o que nos posiciona no mundo. É o que nos faz acreditar que, como humanidade, somos diferentes, especiais, melhores. Amar nos engrandece, nos completa. Mas quando você é um homem que ama um homem, uma mulher que ama uma mulher, alguém que pode amar sem distinção de gênero, ou até mesmo que não se identifica com o gênero com o qual nasceu, o mundo não te vê assim. Nesse caso, o mundo faz você se sentir errado. Você não é especial por amar, até porque as pessoas não enxergam isso como amor. Você é sujo, promíscuo, pecador.”

Não é minha intenção discutir esse tema sobre um posto de vista teológico ou religioso, mas acho válido refletir brevemente sobre algumas passagens bíblicas. Mott (2003) cita o texto Levítico que condena que um homem tenha relações sexuais com outro homem. Entretanto, conforme discute o autor, precisamos ter um olhar crítico de acordo com o contexto cultural e o período histórico em que essas passagens foram escritas. Esse mesmo texto também condena os “tabus alimentares”, como comer carne de porco e camarão, ou transar com uma mulher em seu período menstrual. Em Deuteronômio é autorizado o apedrejamento de filhos “rebeldes” que não obedeçam seus pais, e de mulheres que não sejam virgens no dia do casamento. No Novo Testamento, Paulo condena as relações homossexuais, mas condena também o alcoolismo, a caluniação e a corrupção. Parece, entretanto, que atualmente os ditos conservadores lembram-se de atirar pedras somente nos homossexuais. Por que será? Freud explica.

“Do mesmo modo como os cientistas, Galileu ensinou-nos a verdade de que o sol, e não a terra, é o centro do nosso sistema planetário, e Darwin a respeito da evolução das espécies, ambos corrigindo a Bíblia e opondo-se à crença errada dos cristãos de sua época, assim também hoje todos os ramos da Ciência, da biologia à genética, da antropologia à psicologia, garantem que a homossexualidade é um comportamento normal, saudável e tão digno ética e moralmente como a heterossexualidade ou a bissexualidade. Negar esta evidência científica é repetir a mesma ignorância intolerante do Papa que condenou Galileu” (MOTT, 2003). 

Muitos que se dizem cristãos não compreendem que Jesus esteve ao lado das pessoas que eram marginalizadas e excluídas pela sociedade de sua época. Jesus esteve ao lado dos leprosos, dos cobradores de impostos, dos estrangeiros, dos pecadores, e de tantos outros violentados e a margem da sociedade. As pessoas que mais se escandalizaram com as atitudes de Cristo foram os fariseus e doutores da lei. As maiores críticas de Jesus foram contra os comandantes religiosos de sua época, que usavam o nome de “Deus” para se exaltar, para garantir seus privilégios, justificar seus argumentos e condenar as pessoas. Me pergunto do lado de que pessoas Jesus se encontraria hoje... Muitos dos que defendem Jesus atualmente, se escandalizariam com as suas atitudes naquela época. E porque Jesus foi morto? Porque, assim como tantos outros, mexeu com os interesses daqueles que detinham o poder naquela região, porque foi a favor daqueles que eram descriminados, dos oprimidos, dos menos favorecidos. Ele foi morto em nome dos bons costumes, da ordem, da moral, ele foi morto em nome de “Deus”. Vale citar alguns dos ensinamentos da espiritualidade cristã: “Não julgueis para não serdes julgados” (Mt, 7,1); e “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12). Cabe também refletir quantas pessoas Jesus curou por serem homossexuais? Não estou dizendo que Jesus foi contra nem a favor da homossexualidade, mas que se seguirmos os ensinamentos que ele nos deixou, os atos de discriminação e violência cessarão.

De acordo com dados da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. A cada 48 horas uma pessoa trans ou travesti é assassinada no país segundo o Defensor Público Atanasio Lucero Junior. (BORTONI, 2018).  Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, o Brasil é o país que mais mata  transexuais e travestis. “A expectativa de vida deles é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos.” (G1, 2017). Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) apontam que a cada 25 horas uma pessoa LGBTQI é morta no Brasil. Apesar das muitas conquistas e avanços em relação as legislações internacionais, Castedo e Tombesi (2019) apontam que existem atualmente 70 países no mundo em que as relações homossexuais são crimes, sendo que 11 prevem pena de morte. É interessante perceber que, segundo as autoras, em 26 desses países são castigados apenas os gays, não as lésbicas.

Sobre a invisibilidade do sofrimento da população LGBT pelo Governo, Peres e Gonçalves (CRP SP, 2011, p. 85) escrevem que são: “Vidas com um histórico de abandono pelos poderes públicos (...) São pessoas, cujos nomes e histórias de vida quase nunca aparecem nos noticiários e que serão esquecidas nos registros policiais e judiciários. (...) vidas que podem morrer aos milhares sem qualquer registro, sem que ninguém seja efetivamente culpado.” (p. 85).

Em relações a reações homofóbicas marcadas pela violência e crueldade, lembramos o caso de Edson Néris da Silva, de 35 anos, adestrador de cães, que foi assassinado na noite de 6 de fevereiro de 2000, espancado até a morte por um grupo de Skinheads formado por 18 integrantes, por estar andando de mãos dadas com seu namorado Dario, que conseguiu fugir. (GREENHALGH, VIERIA e NUNES, 2010). Juliano Sabino e José Pereira da Silva, integrantes do grupo, foram condenados pelo júri por homicídio triplamente qualificado e formação de quadrilha, e sentenciados pelo juiz Luís Fernando Camargo de Barros Vidal a cumprir 21 anos de prisão em regime fechado. Foi a primeira condenação em nosso país por intolerância sexual, segundo o Promotor do caso, Marcelo Milani (ROMERO, 2001). Vale citar outros relatos de grupos denominados Skinhead e “neonazistas” que perseguem e agridem também negros, índios, nordestinos e judeus.

Foucault (1968 apud BARBERO, CRP SP, 2011) vai citar a “ordem sociosexual”, discutindo sobre as relações entre sexo e poder, e os dispositivos que a cultura e a sociedade utilizam por parte das instituições e de nossas próprias atitudes, para controlar a sexualidade e os corpos de todos aqueles que desviam da norma, categorizando-os como doentes, possuidores de patologias. Damasceno Junior e Riani (CRP MG, 2019) citam a exclusão dos homossexuais no ingresso as Forças Armadas e Policiais. Segundo o Programa Brasil sem Homofobia, o Ministério da Saúde (2004) aponta: “Para além da situação extrema do assassinato, muitas outras formas de violência vêm sendo apontadas, envolvendo familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou de instituições públicas como a escola,  as forças armadas, a justiça ou a polícia.” (p. 17). 

Sestokas (2015) discute as discriminações e violências as quais as pessoas transgêneras estão sujeitas no sistema penitenciário, como cita o relato de Victoria Rios Strong, travesti detida em uma prisão masculina no estado de Minas Gerais, que expressa: “Eu fui forçada a fazer sexo com todos os homens da cela em sequência. Todos eles rindo, zombando e me batendo. Fui ameaçada de morte se eu contasse aos agentes. Eu fui leiloada entre os prisioneiros. Um deles ‘me vendeu’ em troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos  (...) Fiquei quieta até o dia em que não aguentei mais. Eu cheguei a sofrer 21 violações em um dia. Peguei hepatite e sífilis. Achei que eu ia morrer. Sem mencionar que eu tinha que fazer a limpeza da cela e lavar roupas de todos os homens. Eu era a primeira a acordar e a última a dormir” (p. 05). Segundo o autor, esse caso foi uma das inspirações para a instalação da primeira ala para as pessoas LGBT em nosso país.

Para alguns funcionários dos presídios brasileiros as relações homossexuais são vistas como transitórias e decorrentes do isolamento aos quais os presos se encontram. Padovani (2011, apud SESTOKAS, 2015) argumenta que a autorização de visitas íntimas para heterossexuais, garantida desde 1999, tinha um viés de ser uma política​ ​de​ ​“prevenção​ ​da​ ​homossexualidade​”. Após o STF reconhecer a união estável homossexual em 2011, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)  emitiu a Resolução nº 4 de 29 de junho de 2011, assegurando o direito a visitas íntimas também para as relações homoafetivas. Sestokas (2015) informa que gays e travestis tem direito a alas e celas específicas em prisões masculinas. Entretanto, apenas 15% dos presídios no Brasil possuem celas específicas para a população LGBT, que costumam encontrar-se lotadas e restringem acesso a outros direitos como lazer, banhos de sol, trabalho e educação. O autor argumenta que nosso país também apresenta essa dificuldade com outros tipos de populações vulneráveis como  idosos, pessoas estrangeiras e indígenas. 

Segundo Barbero (CRP SP, 2011) sobre a luta pelos direitos LGBT, escreve: “(...) a luta tem um longo caminho pela frente. Haverá avanços e retrocessos, como o que ocorre frente a qualquer mudança social que implique em transformações estruturais importantes. O preconceito persiste de formas disfarçadas, indiretas, insidiosas, sofisticadas, perversas.” (p. 62). 

No dia 13 de junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a discriminação em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero deve ser punida como crime equivalente ao racismo (Lei nº 7.716/1989) até que o Congresso crie uma lei específica. (BARIFOUSE, 2019).  Entretanto, apesar de importantes direitos estarem sendo conquistados recentemente, como o direito a união civil e a adoção por casais homoafetivos, cabe nos questionarmos por que eles têm partido do Judiciário através da jurisprudência e não do Legislativo? Quão frágeis podem ser essas garantias que não possuem legislações específicas?

A WPATH (2012)  reconhece que “a saúde depende não apenas de um bom atendimento clínico, mas também de um ambiente social e político que garanta a tolerância social, a igualdade de direitos e a cidadania plena. A saúde é promovida por meio de políticas públicas e reformas legais que fomentem essa tolerância e essa igualdade de direitos para a diversidade sexual e de gênero e que eliminem o preconceito, a discriminação e o estigma.” (p. 02). Teixeira Filho (CRP SP, 2011) argumenta sobre a responsabilidade histórica da Psicologia frente a discursos homofóbicos e normatizadores: “(...) a Psicologia, de algum modo, deu suporte teórico e prático, para a construção do ‘armário’ que encerra as pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Um armário que, se por um lado ‘protege’ as pessoas LGBT contra ataques homofóbicos advindos de diversas fontes externas (rua, escola, família, igreja, etc.), por outro, reforça a invisibilidade de suas experiências, o que as deixa muito vulneráveis a homofobia interiorizada, institucional, cordial e outras formas mais sutis de sua manifestação.” (p. 41).

Segundo Santos (CRP SP, 2011): “(...) no âmbito da clínica ou do consultório que a Psicologia se transforma numa poderosa ferramenta no sentido de ajudar pessoas em crise, em processo de desvelamento da sua identidade, oferecendo suporte para o fortalecimento desses indivíduos. De uma forma mais ampla, a Psicologia pode contribuir de forma significativa na desconstrução de mitos, tabus e padrões estereotipados.” (p. 71). Teixeira Filho (CRP SP, 2011) escreve sobre a importância da “ética da diversidade” que nos exige o combate a toda e qualquer forma de discriminação ou padronização; e não somente no âmbito sexual, mas em todas as dimensões, seja racial, religiosa, econômica, cultural, etc.


Algo que ninguém quer que eu queira

“Quero algo que ninguém quer que eu queira,

Que o mundo me proíbe terminantemente de querer,

Que as pessoas se envergonham de mim porque eu quero

e se afastam, horrorizadas,

quando descobrem que eu ando querendo

Quero algo que não é perigoso,

nem nocivo,

nem ilegal

em nenhum aspecto,

mas que ainda assim

as tradições repudiam,

a moral condena,

os costumes desaprovam

e a sociedade, doente como está,

classifica de doença

Quero algo que não diz respeito a ninguém, além de mim mesma

que não tem nada a ver como mais ninguém, exceto comigo

mas que parece ser da conta de todo mundo,

que parece incomodar e chocar a todos,

que pela reação que demonstram

é como se eu lhes estraçalhasse as entranhas,

furasse seus olhos,

sugasse seu sangue,

alucinasse seu espírito

evocando neles todos os tipos de ódios e paixões,

e todas as mais terríveis emoções

que um ser humano pode sentir ou ser vítima.

Quero algo que me livra de uma tristeza profunda

e de uma dor insuportável

que me traz uma alegria imensa,

uma felicidade aconchegante e plena

mas que ainda assim não entendem nem aceitam.

E se eu lhes dissesse que tenho um câncer terminal?

Um tumor que não tem tratamento?

Minha vida com os dias contados…

Será que me dariam sua caridade hipócrita?

Que fariam fila diante da minha cama,

me obrigando a contar e recontar a eles o meu drama,

milhões de vezes

Eu lhes causaria pena, em vez de repulsa

e lhes traria lágrimas, em vez de raiva,

e todos me abraçariam e me beijariam e me consolariam

e diriam da falta, imensa, que eu já lhes faço.

Quero algo que para eles é injustificável,

incabível e indesejável,

um absurdo inadmissível,

absolutamente horrível,

para a qual não existe compreensão, nem aceitação,

nem perdão.

Algo que é como dirigir na contra mão,

na hora do rush.”

Letícia Lanz, poetisa transexual

(apud SILVA, 2013).


Tiago de Sousa Medeiros


REFERÊNCIAS:


AUSTREGÉSILO, Rodrigo. Me chame pelo seu nome mostra como não estamos sozinhos. Blog: fev. 2018. Disponível em: <https://www.intrinseca.com.br/blog/2018/02/me-chame-pelo-seu-nome-mostra-como-nao-estamos-sozinhos/ > Acesso em 04 mar. 2019.


BARIFOUSE, Rafael. STF aprova a criminalização da homofobia. BBC News Brasil, jun. 2019. Disponível em :<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47206924> Acesso em 20 jul. 2019.


BORTONI, Larissa. Brasil é o país onde mais se assassina homossexuais no mundo. Senado Federal: rádio senado, mai. 2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-homossexuais-no-mundo> Acesso em 21 jul. 2019.


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BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. Brasília - DF, 2013, 32 p.


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CASTEDO, Antía; TOMBESI, Cecilia. Mapa mostra como a homossexualidade é vista pelo mundo. BBC News Brasil, jun. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48801567> Acesso em 21 jul. 2019.


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