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Direitos LGBT

Essa postagem visa discutir os direitos da população LGBT, como o direito à constituição de família, como reconhecimento de uniões homoafetivas e a garantia de direitos quanto à paternidade/maternidade. Embora no decorrer de nossa recente história não houvessem (e ainda não há em muitos aspectos), legislações específicas sobre os direitos LGBT, a jurisprudência foi compreendendo as leis à luz do pensamento crítico e científico, e da coerência e respeito pelos direitos humanos e fundamentais de nossa Constituinte. Muitas conquistas vem sendo alcançadas, frutos de uma luta histórica; entretanto, ainda existem muitas barreiras e limitações a serem discutidas e superadas.

É importante considerarmos que, independente da constituição de nossa sexualidade ser uma escolha consciente ou não, sua expressão e sua vivência são um direito garantido pela nossa Constituição Federal (1988) que nos apresenta o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, a livre manifestação de pensamento, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação, conforme também promulgado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Existe uma legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, os Princípios de Yogyakarta, constituído após uma reunião realizada na Universidade Gadjah Mada, em Yogyakarta - Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006, contando com 29 eminentes especialistas de 25 países, do qual o Brasil é signatário. Este documento afirma em seu 18º princípio que nenhum tratamento ou aconselhamento médico ou psicológico pode: “tratar, explícita ou implicitamente, a orientação sexual e identidade de gênero como doenças médicas a serem tratadas, curadas ou eliminadas.” A Resolução nº 001/99, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), afirma que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão; relatando que a sexualidade faz parte da identidade do indivíduo, e pedindo dos profissionais uma posição reflexiva frente às “práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente”, sendo que a Psicologia deve contribuir “para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.” A referida resolução proíbe as chamadas terapias de reorientação sexual.

Mais recentemente o CFP lançou uma resolução que estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis, a Resolução nº 1 de 29 de janeiro de 2018, a qual afirma que as expressões e identidades de gênero são “possibilidades da existência humana, as quais não devem ser compreendidas como psicopatologias, transtornos mentais, desvios e/ou inadequações.” Em seu artigo 1º apresenta que os profissionais da Psicologia contribuirão para a eliminação da transfobia e a reflexão sobre o preconceito contra transexuais e travestis. Em seu art. 8º informa que é vetado ao profissional: “propor, realizar ou colaborar, sob uma perspectiva patologizante, com eventos ou serviços privados, públicos, institucionais, comunitários ou promocionais que visem a terapias de conversão, reversão, readequação ou reorientação de identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis.”

O Conselho Regional de Psicologia do estado de São Paulo (CRP SP), através do Manifesto pela Despatologização das Identidades Trans (2011), discute que o sofrimento não nasce por uma pessoa possuir uma identidade trans, mas pelo preconceito e discriminação com que é tratada; conforme argumenta: “As sexualidades, os gêneros e os corpos que não se encaixam no binarismo convencional (masculino/feminino, macho/fêmea) não podem servir de base para uma classificação psicopatológica. A normatividade do binarismo de sexo e de gênero só permite aos deslocamentos, como a transexualidade, a travestilidade, o crossdressing, as dragqueens, serem vistos como maneiras de existir desviantes, criando-se categorias linguísticas e psiquiátricas que conferem inteligibilidade à vivência destas pessoas. Portanto, numa concepção que desnaturalize o gênero,

a pluralidade das identidades de gênero refere possibilidades de existência, manifestações da diversidade humana, e não transtornos mentais. (...) A patologização das identidades trans fortalece estigmas, fomenta posturas discriminatórias e contribui para a marginalização das pessoas. A ‘doença’ trans é social: é a ausência de reconhecimento destas pessoas como cidadãs, é a ausência de reconhecimento de seu direito de existir, de amar, de desejar e de ser feliz.

A Organização Mundial da Saúde através de sua Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde em sua décima versão (CID 10, 1993) retirou a homossexualidade da categoria de doença mental, e incluiu os “transtornos da identidade sexual” (F64), entre eles: “transexualismo” (F64.0) e “travestismo” (F64.1). Em sua mais recente versão (CID 11, 2018) retirou a transexualidade e a travestilidade da categoria “Desordens mentais, comportamentais e do neurodesenvolvimento”, incluindo-as em “incongruência de gênero” na categoria “17. Condições relacionadas à saúde sexual.” Segundo o Conselho Regional de Psicologia do Paraná, ter deixado de ser considerado uma doença ou transtorno mental já é uma grande conquista. (CRP PR, 2018). Soares (CRP SP, 2011) em contraponto, considera a importância do contexto histórico que considerou a transexualidade como doença, pois isto permitiu acesso aos procedimentos médicos necessários para a o seu atendimento.

Consultando o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5, 2013) podemos encontrar o termo “Disforia de gênero” que caracteriza o “sofrimento que pode acompanhar a incongruência entre o gênero experimentado ou expresso e o gênero designado de uma pessoa. Embora essa incongruência não cause desconforto em todos os indivíduos, muitos acabam sofrendo se as intervenções físicas desejadas por meio de hormônios e/ou de cirurgia não estão disponíveis. O termo atual é mais descritivo do que o termo anterior transtorno de identidade de gênero, do DSM-IV, e foca a disforia como um problema clínico, e não como identidade por si própria.” (p. 451-452). É importante salientar que uma pessoa transgênero, que não se identifica com o gênero de seu nascimento, não necessariamente possui disforia de gênero, mas somente se esse quadro for acompanhado de “sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (p. 453). O DSM 5 considera que existem relatos de disforia de gênero em diferentes culturas e países, e que ela está associada a níveis elevados de discriminação e estigmatização, que podem acarretar em consequência: “abandono escolar e marginalização econômica, incluindo desemprego, com todos os riscos correspondentes na área social e de saúde mental, principalmente no caso de indivíduos de famílias pobres. Além disso, o acesso dessas pessoas aos serviços de saúde e de saúde mental pode ser impedido por barreiras estruturais, como desconforto institucional ou inexperiência em trabalhar com essa população de pacientes” (p. 458-459). Entre as comorbidades apresentadas estão transtornos de ansiedade e depressivos, que o manual considera como decorrentes da não aceitação e da rejeição social. Ainda sobre o DSM em sua última versão, encontramos também o “Transtorno Transvéstico” pertencente à categoria de Transtornos Parafílicos, relacionado a vestir-se com roupas do sexo oposto visando excitação sexual, desde que as fantasias e comportamentos causem sofrimento e atrapalhem seu funcionamento em dimensões importantes da vida.

A WPATH (Associação Mundial Profissional para a Saúde Transgênero, 2012) define a “variabilidade de gênero” ou “não-conformidade de gênero” como referente à: “Medida em que a identidade ou expressão de gênero de uma pessoa difere das normas e expectativas sociais atribuídas ao seu sexo designado ao nascer em uma determinada cultura e período histórico.” (p. 106), e conceitua como disforia de gênero o “desconforto ou mal-estar causado pela discrepância entre a identidade de gênero de uma pessoa e o sexo a ela atribuído no momento do nascimento (e o papel de gênero associado e/ou características sexuais primárias e secundárias).” (p. 11). Segundo a WPATH apenas algumas pessoas com variabilidade de gênero possuem disforia de gênero em algum momento da vida.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou em 2004 o Programa “Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual”, que possui como um dos objetivos centrais a educação e a mudança de comportamento dos gestores públicos. O programa aponta diversas propostas através de 53 ações nas áreas de saúde, educação, justiça, trabalho, cultura, entre outros. O documento cita a existência de cerca de 140 associações e grupos ativistas de defesa LBGT espalhados pelo país.

Segundo a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, instituída pela Portaria 2.836 de 1º de dezembro de 2011, as discriminações por orientação sexual e identidade de gênero geram um processo de sofrimento e adoecimento que incide na determinação social da saúde dessas pessoas. Nesse sentido, os preconceitos e discriminações aos quais essa população está constantemente exposta afetam de forma direta sua saúde física, psíquica e social. A referida portaria, em seu artigo 2º, apresenta como objetivos, entre outros: promover maior acesso e equidade no SUS para a população LGBT, atendimento integral a saúde com garantia de acesso ao Processo Transexualizador, garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, cobertura dos planos de saúde privados para casais homoafetivos, além de ações educativas nos serviços de saúde, com os profissionais e a população em geral, com vistas a promover educação em direitos e superar preconceitos e estigmas.

Em relação as conquistas já alcançadas sobre os direitos LGBT citaremos as mais importantes: Em 2005, o Conselho Nacional de Imigração concedeu pela primeira vez o direito a um estrangeiro de permanecer no país por ele ter uma união com um brasileiro do mesmo sexo. “Seis anos mais tarde, eles foram o primeiro casal gay do Paraná – e um dos primeiros do Brasil – a ter a união estável reconhecida em cartório” (BARIFOUSE, 2015). A Resolução Normativa nº 77 de 29 de janeiro de 2008, do Conselho Nacional de Imigração, dispõe sobre critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou de autorização de permanência, ao companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo. 

A Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), reconhece as diversas formas de violência baseadas no gênero independente da orientação sexual das vítimas.

A Portaria nº 513, de 9 de dezembro de 2010, do Ministério da Previdência Social, trata sobre dependentes para fins previdenciários relativos à união estável entre pessoas do mesmo sexo. 

Em relação a casamentos homoafetivos, a Constituição Federal Brasileira em seu artigo 226 reconhece a união estável entre homem e mulher como uma unidade familiar, reconhecendo também a entidade familiar como formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. Atualmente encontramos conceitos mais abrangentes que não se restringem apenas ao tradicional (pai, mãe, filho) de acordo com as novas estruturas familiares que se apresentam em diferentes sociedades.

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) reconhece a importância de descrever a família de uma forma mais ampla e a conceitua como um “conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade” (p. 41).

Ou seja, família não é formada apenas por pessoas que desejam ou tem a capacidade de “procriar”, mas por pessoas que se amam, protegem e cuidam. O Código Civil Brasileiro reconhece em seu artigo 1.723 a entidade familiar como “união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura (...).” Entretanto, em seu artigo 1.521, que discorre sobre os impedimento para o casamento, não aponta em suas condições o fato de as pessoas serem do mesmo sexo. Considera-se que o mais importante é o que consta no artigo 1.724: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”  Não devemos, destarte, considerar a família em função de sua estrutura, julgando que uma família composta por crianças que moram com a avó, o tio, a madrasta, dois pais ou duas mães, ou por pessoas que não têm filhos, não sejam uma família; mas devemos considerá-la em sua função, que é a de prover amor, cuidados, proteção, alimentação, educação, saúde, e promover um desenvolvimento saudável para seus integrantes.  Precisamos estar abertos a diversidade respeitando e protegendo as diferentes formas de estruturas familiares.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2011, por unanimidade, a união estável para parceiros do mesmo sexo; e, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tornou legal o casamento civil homoafetivo ao proibir cartórios de recusar a “celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.” Segundo Bandeira (2017) os casais homossexuais possuem os mesmo direitos que os casais heterossexuais, como pensão alimentícia, divisão dos bens, participação em planos de saúde, entre outros. Segundo Veiga (2019), em 1º de outubro de 1989, ocorreu o primeiro casamento gay legalizado da história, aprovado pela Dinamarca com o selo da rainha Margrethe 2ª, que reconhecia “oficialmente a união estável civil entre casais homoafetivos.” O casal formado pelos ativistas Axel Lundahl-Madsen e Eigil Eskildsen, (que adotaram o sobrenome Axgil fruto da junção de seus nomes), já viviam juntos há quatro décadas e permaneceram casados até que a morte os separou. Eigil morreu em 1995 aos 73 anos, e Axel em 2011 aos 96 anos.

Em relação à adoção por casais homoafetivos, Silva (CFP, 2008) cita pesquisas realizadas nos EUA (apud GOMES, 2003) que apontam não haver determinação da orientação sexual dos filhos adotados por conta da homossexualidade dos pais adotivos, nem qualquer perturbação no desenvolvimento psicológico e escolar das crianças, quando comparados com filhos de casais heterossexuais. Segundo o autor, ao se discutir sobre as novas configurações familiares, a sociedade tende a julgar as famílias compostas por pais homoafetivos como incapazes de exercerem a parentalidade ou terem uma convivência familiar saudável, influenciando de forma prejudicial no desenvolvimento e na orientação sexual dos filhos; isso sendo uma consideração a priori, “prevendo” problemas futuros para os filhos adotados sem qualquer evidência prática ou científica. 

Conforme relato da desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (apud SILVA CFP, 2008): “(...) essas preocupações são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As evidências apresentadas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao desenvolvimento moral ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial, ou risco ao sadio desenvolvimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta de modelo heterossexual acarretará perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias na prole. Assim, nada justifica a visão estereotipada de que a criança que vive em um lar homossexual será socialmente estigmatizada ou terá prejudicada a sua inserção social.” (p. 24/25).

Segundo os requisitos para a adoção previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podem adotar os maiores de 18 anos, “independente do estado civil” (art. 42), sendo que para adoção conjunta é necessário a união estável ou casamento civil comprovando a estabilidade familiar. Em seu artigo 50 apresenta que a inscrição no Cadastro Nacional de Adoção (CNJ), será precedido por um período de acompanhamento jurídico e psicossocial. Uziel (CRP SP, 2011) discute que, quando um homem tentar adotar sozinho costuma surgir a pressuposição de que ele seja homossexual. Segundo a autora, quando uma mulher tenta adotar sozinha não levantam-se suspeitas, visto que a maternidade é naturalizada e não precisa ser efetivada pela conjugalidade, diferente da paternidade que precisa do casamento para se afirmar. Almeida (CFP, 2008) argumenta que o que ocorria com frequência entre os casais homoafetivos era a adoção monoparetal, em que apenas um dos “pais” ou uma das “mães” tornava-se o requerente no processo judicial, implicando que a criança teria direitos legais referentes apenas aquele que consta em seu registro, entretanto, na prática ela teria o cuidado, carinho e proteção de ambos.

Almeida (CFP, 2008) alerta para a importância de reconhecermos que os adotantes (crianças e adolescentes) são “os maiores interessados no processo de escolha e de estabelecimento de relações vinculares.” (p. 27). Rolim (apud NAZARÉ CFP, 2008) discute:

“Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos, porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? (...) O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas, foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos, eram heterossexuais, não é mesmo? (...) Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?” (p. 45/46). 

Uziel (CRP SP, 2011) discute o “discurso do mal menor” que afirma que antes uma criança ser adotada por um casal homossexual do que ficar em um abrigo, como se um casal homoafetivo fosse menos capaz do que um casal hetero. A autora cita que pessoas homoafetivas tendem a adotar crianças negras, pobres, do sexo masculino, que geralmente são rejeitadas pela maioria.

Segundo Presse (2009) a primeira adoção legal de uma criança por um casal homossexual no mundo, ocorreu em 1986 no estado da Califórnia/EUA. A autora cita a Dinamarca que, em 1999 permitiu a casais homoafetivos adotar o filho de seu cônjuge, sendo que somente 10 anos depois o país aprovou o direito de adoção conjunta de uma criança. O autor cita também a Holanda, que em 2001 se tornou o primeiro país europeu a permitir a adoção de crianças por casais homoafetivos que não tivessem relação de parentesco com a mesma. 

Segundo Kahhale (CRP SP, 2011) em 2005 na cidade de Catanduva/SP, o juiz da Vara de Infância e Juventude concedeu o direito a um casal homossexual masculino de adotar uma criança. Primeira adoção legalizada por um casal gay no país segundo Lavezo (2012). O referido autor apresenta uma fala da menina adotada, que se chama Theodora, e expressa sobre seus pais adotivos: “Eu tenho orgulho deles. Acho bacana ter uma família diferente. Gosto muito de beijar, abraçar e andar de bicicleta com eles.” A menina não apresenta nenhuma dificuldade em relação a preconceito na escola ou em outros ambientes. Segundo Kahhale (CRP SP, 2011), a autorização do juiz nesse caso criou uma importante jurisprudência para a área, e foi baseada na resolução nº 001/99 do Conselho Federal de Psicologia. Em 2015, a Ministra Carmem Lúcia do STF, autorizou  a adoção por um casal homoafetivo, negando o recurso do MP do Paraná, argumentando que o conceito de família não pode ser restrito (BRASIL, 2015). Segundo Santos (2018) o Conselho Nacional de Justiça (2015) já permite a inserção dos casais homossexuais no cadastro nacional de adoção. 

Em relação aos direitos a população LGBT em privação de liberdade, a Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação da Presidência da República, garante o direito de ser chamado pelo seu nome social (art. 2º), direitos aos gays e as travestis de espaços de vivência específicos para garantir sua segurança (art. 3º), direitos as pessoas transexuais masculinas e femininas de estarem em unidades prisionais femininas (art. 4º), uso de roupas e cabelo conforme a identidade de gênero (art. 5º), visita íntima (art. 6º), atenção integral a saúde, (art. 7º); constando também: “Art. 10 - O Estado deverá garantir a capacitação continuada aos profissionais dos estabelecimentos penais considerando a perspectiva dos direitos humanos e os princípios de igualdade e não-discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Art. 11 - Será garantido à pessoa LGBT, em igualdade de condições, o benefício do auxílio-reclusão aos dependentes do segurado recluso, inclusive ao cônjuge ou companheiro do mesmo sexo.” Entretanto, esse direitos considerados mínimos, ainda são vistos com revolta por agentes penitenciários e outros presos, que os consideram como privilégios (SESTOKAS, 2015).

O STF decidiu em 2018 que a mudança do nome no registro civil para o caso de pessoas transgênero pode ser realizada no cartório sem necessidade de laudo médico, cirurgia de redesignação sexual ou autorização judicial. Antes da decisão alguns estados já tinham legislações específicas, como o Decreto do estado de São Paulo nº 55.588/10, que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos. É importante citar que, mesmo aqueles que não mudaram seu nome no registro civil, possuem o direito de serem chamadas pelo seu nome social na rede de saúde, conforme a Carta de Direitos dos Usuários do SUS (Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009; art. 4º). O Nome Social é aquele utilizado pelos pessoas transgênero correspondente a sua identidade de gênero, que pode ser diferente do seu registro civil. 

No dia 13 de junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal decidiu que a discriminação em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero deve ser punida como crime equivalente ao racismo (Lei nº 7.716/1989). (BARIFOUSE, 2019). Antes disso, alguns estado já possuíam legislação específica como a Lei nº 10.948 de 05 de novembro de 2001, do governo do estado de São Paulo, que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual, considerando atos atentatórios e discriminatórios contra os LGBTs, entre outros: “I - praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;  II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público; (...)  VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos.”

Podemos perceber os avanços e as conquistas em relação aos direitos da população LGBT, vale salientar os direitos humanos, garantidos a todas as demais pessoas. Encontramos histórias de superação como a de Alexya Salvador, professora e pastora, tendo sido a primeira mulher trans a adotar oficialmente uma criança no Brasil (FAGUNDEZ, 2017), e a história da primeira mulher trans que produziu leite e amamentou o filho de sua companheira, segundo pesquisa publicada no periódico Transgender Health, citado por Therrien (2018). Entretanto, existe um longo caminho ainda a ser percorrido, especialmente diante do atual cenário político que estamos vivenciando. Direitos conquistados como a união civil e a adoção por casais homoafetivos, bem como sobre a discriminação por homofobia e transfobia, não possuem uma legislação específica, e vem sendo garantidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através da jurisprudência. O que nos faz questionar quão frágeis podem ser essas garantias. Por que esses direitos vem sendo conquistados pelo Judiciário e não pelo Legislativo? Para quem tiver interesse discutimos mais sobre o assunto no post sobre Homofobia e Transfobia. Na próxima postagem explicaremos sobre o direito ao Processo Transexualizador pela rede pública.


Tiago de Sousa Medeiros


REFERÊNCIAS:


AGOSTINHO, Rosanne. STF decide que transexuais e transgêneros poderão mudar registro civil sem necessidade de cirurgia. G1, Central Globo de Jornalismo, mar. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/stf-decide-que-transexual-podera-mudar-registro-civil-sem-necessidade-de-cirurgia.ghtml> Acesso em 22 jul. 2019.


ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5. ABP Associação Brasileira de Psiquiatria/Artmed, 2013, 976 p.


BANDEIRA, Regina. Casamento homoafetivo: norma completa quatro anos. CNJ: Conselho Nacional de Justiça, mai. 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84740-lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-4-anos> Acesso em 21 jul. 2019.


BARIFOUSE, Rafael. 'Ninguém mais pode dizer que não somos uma família'. BBC News Brasil, abr. 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150402_toni_reis_depoimento_adocao_rb> Acesso em 20 jul. 2019.


BARIFOUSE, Rafael. STF aprova a criminalização da homofobia. BBC News Brasil, jun. 2019. Disponível em :<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47206924> Acesso em 20 jul. 2019.


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BRASIL. Conselho Nacional de Imigração. Resolução Normativa nº 77, de 29 de janeiro de 2008. Dispõe sobre critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou de autorização de permanência, ao companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucao77_2008.htm> Acesso em 22 jul. 2019.


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