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A história da homossexualidade

Segundo Vieira (2009) existem relatos da prática homossexual entre homens e mulheres desde a Antiguidade, atravessando distintas culturas e sociedades. O conceito Homossexual, entretanto, como definidor de identidade, surge apenas no final do séc. XIX.

Teixeira Filho (CRP SP, 2011) explica que na era clássica, para os gregos, a relação sexual entre homens era permitida em algumas situações com caráter educacional e de cidadania, tendo sido debatida por Platão em seus 3 diálogos (Lisis, Fédro e o Banquete), e descrita como “pederastia”. As relações, entretanto, deveriam ser intergeracionais e respeitar a classe social.  As relações heterossexuais, destarte, tinham uma função social diferente, de: “procriação e garantia de hereditariedade e de descendentes, o que implica em manutenção da economia social, dos bens e territórios;” (p. 43). Já em relação às mulheres, havia uma desigualdade de gênero acentuada, sendo que para elas “eram reservados apenas três lugares na hierarquia social: procriadoras, prostitutas ou sacerdotisas” (p. 44). O autor cita também a famosa poetisa Safo, que nasceu na Ilha de Lesbos (de onde deriva o termo lesbianismo, embora na época tivesse conotações diferentes das atuais), atribuindo-se a ela relacionamentos homoafetivos (embora essa afirmação seja controversa). Safo se tornou famosa por seus poemas com teor erótico.

Smalls (2003, apud TEIXEIRA FILHO, CRP SP, 2011) cita que, para os romanos as relações sexuais entre homens não era criminalizada, desde que não fosse contra as estruturas de classe e os papéis sociais. O importante, segundo o autor, era manter uma atitude ativa de “masculinidade”, ou seja, o homem deveria ser aquele que penetrava na relação sexual, e não aquele que era penetrado, pois características associadas ao feminino eram desvalorizadas, como o sexo oral, a sodomia e a passividade (visto que as mulheres não eram consideradas nem cidadãs). Romanos ricos, por exemplo, conforme apontado por Teixeira Filho (CRP SP, 2011), poderiam ter prazer sexual com seus escravos ou através da prostituição tanto feminina quanto masculina. Entretanto, as relações sexuais entre iguais foram condenadas após o declínio do império romano e a legalização do catolicismo, sendo que “a pena de morte punindo os atos homossexuais masculinos e femininos persistiram no Código Civil até o século XVIII na maioria dos países Europeus do Ocidente” (p. 45). Segundo Smalls, durante a Idade Média, com o catolicismo sendo a religião oficial do Império Romano, os atos homossexuais passaram a ser puníveis com a morte na fogueira. Nessa época, Agostinho escreve que a relação sexual deveria ter como fim a procriação e não o prazer em si mesmo, sendo que as relações que não visassem a “reprodução da espécie” eram consideradas depravadas. Nesse período ainda não havia o conceito de homossexualidade, e costumava-se utilizar  o termo sodomia, sendo tanto o sexo anal, o oral e a masturbação, condenados.

Com o surgimento do Humanismo e da Renascença, embora a prática homoerótica ainda fosse criminalizada, seus praticantes passaram a se reunir em grupos como forma de preservação e resistência, expressando-se através das revoluções artísticas e culturais. “Temos, nesse período, algumas cidades europeias como Londres, Veneza e Florença que até hoje se destacam como centros de proteção aos direitos humanos e cívicos das pessoas homossexuais” (p. 46). Em relação a época do Romantismo e do Realismo, Teixeira Filho (CRP SP, 2011) escreve sobre o “ser libertino” que: “significava ser inconformado com as regras sociais e moral religiosa, referentes aos comportamentos sexuais e etiqueta. Era, na verdade, uma atitude política de busca por novos modos de inserção social já que a sociedade estava mudando com a ascensão crescente da burguesia e da ciência.” (p. 48). Com o fim do século XIX surgem importantes trabalhos que buscam a descriminalização das práticas homoeróticas, trazendo-as para a discussão científica; entre esses autores estão Ulrichs, Kertbeny , Hirschfeld e Freud.

Em 1867, Karl Heinrich Ulrichs, jurista alemão, expressou publicamente ser gay, discutindo a homossexualidade num contexto científico e se posicionando contra a sua criminalização em Munique; tendo sido o primeiro jurista a defender leis em favor dos homossexuais. Foi duramente perseguido na Alemanha por seus estudos e escritos, tendo suas publicações confiscadas. Em seus textos criou conceitos para descrever diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, entre eles o termo “Uraniano” para se referir a um homem que possui desejo sexual por outros homens. De acordo com a mitologia grega, o deus Urano (céu) foi castrado por seu filho Cronos que lançou seus genitais ao mar; tendo destes se formado uma espuma da qual nasceu Afrodite, a deusa da beleza e do amor.

Dois anos mais tarde, em 1869, Karl-Maria Kertbeny, austro-húngaro, jornalista, escritor, poeta e ativista dos Direitos Humanos, foi quem deu origem ao conceito “homossexual” como parte de seu sistema de classificação dos tipos sexuais, tendo pouco depois criado também o termo “heterossexual”. Não havia o conceito de homossexualidade na época, e homens que transavam com seus semelhantes eram vistos de forma pejorativa como pederastas (homem que se envolve com um menino) ou sodomitas (praticantes do sexo anal). Kertbeny foi contra a Lei Prussiana sobre sodomia e contra o parágrafo 175 do Código Penal do Império Alemão que criminalizava a homossexualidade. Outro importante profissional que foi contra a jurisdição alemã e foi perseguido durante o período nazista, foi o médico Magnus Hirschfeld, que realizou uma das primeiras cirurgias de redesignação sexual do mundo. Havelock Ellis, outro importante nome, foi um médico e psicólogo britânico que empregou pela primeira vez, em 1897, o termo “inversão sexual”, para referir-se à sensibilidade ou alma feminina nos homens.

Em 1905, Sigmund Freud, através de seu texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, vai discutir a multiplicidade de constituições sexuais, questionando a concepção heteronormativa. Nesta obra ele vai discutir o termo “inversão” como referente às pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo, considerando diferentes tipos: invertidos absolutos, invertidos anfígenos ou hermafroditas, e invertidos ocasionais. Ele vai discutir as relações temporais do traço de inversão, que pode manifestar-se desde a mais tenra infância, na época da puberdade, ou mesmo na fase adulta após um longo período de relações com o sexo oposto. Freud também vai apresentar um posicionamento político contra a criminalização da homossexualidade, ao escrever uma carta a uma mãe que havia lhe solicitado a cura para seu filho por este ser homossexual, na qual ele responde que a homossexualidade não representa vício nem degradação, argumentando ser uma grave injustiça considerá-la um delito. Nesta mesma carta ele cita importantes homens da história que foram homossexuais, como Platão, Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci (1935).

Segundo Facchini (CRP SP, 2011) o nascimento do movimento homossexual data da década de 1940 em Amsterdam/Holanda. Houve posteriormente o “Mattachine Society”, um grupo clandestino que defendia os direitos homossexuais nos EUA na década de 50; entre outros importantes movimentos e organizações. No início da década de 1960, a relação entre pessoas do mesmo sexo era considerada crime nos Estados Unidos. Em 1969, embora alguns estados tivessem alterado seu código penal, a homossexualidade ainda era criminalizada em Nova York. Naquela época havia uma lei que exigia que as pessoas usassem ao menos 3 peças de roupas consideradas referentes ao seu sexo biológico. Na cidade, havia um bar chamado “Stonewall Inn”, localizado em Greenwich Village, que se tornou um ponto de encontro para a população marginalizada, em especial os LGBTs; sendo que os donos do bar faziam parte de uma máfia que pagava propina para os policias para permitirem seu funcionamento. A chamada “rebelião de Stonewall” aconteceu na madrugada do dia 28 de junho de 1969, marcada por uma série de manifestações contra uma invasão policial ao bar que se deu naquele dia. Essa data é considerada o marco do movimento LGBT, sendo que houveram manifestações em diferentes cidades do país naquele ano, gerando marchas que passaram a ocorrer em diferentes países do mundo em comemoração ao dia reconhecido como “Dia do Orgulho LGBT”, que comemora 50 anos em 2019. A descriminalização da homossexualidade em Nova York só se deu, entretanto, mais de uma década depois, em 1980; sendo que foi completamente abolida dos EUA apenas em 2003. (BBC, 2019). A Prefeitura de Nova York tornou o bar de Stonewall monumento histórico da cidade em 2015, e em 2016 o ex-presidente Barack Obama decretou que o bar se tornaria o primeiro monumento nacional dos direitos LGBT. A bandeira com as cores do arco-íris, considerada símbolo do movimento, tem sua autoria creditada ao americano Gilbert Baker, que a criou em 1978, com a intenção de transmitir o conceito de diversidade e inclusão. (BBC, 2017). Em 1995 foi realizada a primeira Parada Gay no Brasil na cidade do Rio de Janeiro (GREENHALGH, VIERIA E NUNES, 2010).

Segundo Facchini (CRP SP, 2011), no Brasil, um movimento de resistência e luta pelos direitos dos homossexuais surgiu no final dos anos 70, formado predominantemente por homens gays, como escreve:

“As restrições legais e médicas ao comportamento homossexual, explícitas ou não, geraram um tipo de atitude reversa, quando os próprios sujeitos identificáveis como homossexuais passaram a se enxergar como uma categoria à parte e a criar laços de identidade e esferas de sociabilidade”. (p. 11). 

O movimento posteriormente teve uma maior participação das lésbicas; na década de 90 o envolvimento mais ativo de transexuais e travestis; e no início dos anos 2000 a visibilidade dos bissexuais. Entre os grupos importantes em nosso país apontados pela autora estão o “Somos - Grupo de Afirmação Homossexual” de São Paulo, formado na década de 70, e o “Grupo Gay da Bahia”, criado na década de 80.

O desejo sexual foi visto em alguns períodos e em determinados contextos como um “perigo para a civilização”, uma força que se não fosse controlada e reprimida ameaçaria a ordem social. Segundo Facchini (CRP SP, 2011) tanto a área jurídica quanto a área médica psiquiátrica consideravam os comportamentos sexuais ditos desviantes como anormalidades, justificando assim sua patologização e criminalização. Sobre o movimento higienista no final do séc. XIX voltado ao controle e a regulação da vida urbana, Vieira (2009) argumenta: “De fato, as campanhas de higiene social pertenciam a um momento histórico que apoiava a expressão sexual desde que restrita ao laço matrimonial, ou seja, apenas as relações heterossexuais conjugais vinculadas à reprodução e a transmissão de bens eram endossadas. Em qualquer outra esfera ou contexto a relação sexual era estigmatizava. Praticava-se uma vigilância moral no que diz respeito a todo comportamento sexual ‘diferente’, porém havia aqueles que eram considerados ainda mais transgressores. Desta forma, criavam-se tolerâncias e punições diferenciados que abrangiam questões de gênero, classe e raça. Por exemplo, consentia-se aos homens uma permissão para atividade heterossexual extraconjugal que era negada as mulheres. A prostituição de mulheres de camadas pobres, desde que mantida em certos limites, era nessa época menos preocupante do que a manifestação de um interesse sexual ‘forte’ ou ‘precoce’ numa menina adolescente ou numa mulher de classe média, e tal como a homossexualidade, a sexualidade feminina era sempre susceptível de desconfiança” (p. 490).

Sobre a despatologização da homossexualidade, em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria deixou de considerá-la uma doença mental; em 1975 a Associação Americana de Psicologia estabeleceu que a orientação homoafetiva não necessita de tratamento; em 1984 a Associação Brasileira de Psiquiatria posicionou-se contra a discriminação da homoafetividade, e em 1985 o Conselho Federal de Psicologia posicionou-se da mesma forma. (CFP, 2013). Em 17 de maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do código de doenças mentais, declarando não ser a mesma doença, distúrbio ou perversão; tornando-se esse o dia internacional da luta contra a homofobia. É importante salientar que atualmente se utiliza o termo homossexualidade e não mais o conceito “homossexualismo”, pois o sufixo “ismo” denota doença.  Segundo Kahhale (CRP SP, 2011) o Brasil foi o primeiro país no mundo a formular um documento de orientação para os profissionais da Psicologia em relação a não patologização e defesa dos direitos humanos dos homossexuais, através de sua Resolução nº 001 de 22 de março de 1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Teixeira Filho (CRP SP, 2011) argumenta que sempre houveram relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo biológico, embora ocorram variações entre as sanções e liberdades conforme cada contexto cultural e período histórico. Atualmente existem 70 países no mundo em que as relações homossexuais ainda são crimes, sendo que destes, 11 preveem pena de morte (CASTEDO; TOMBESI, 2019). É interessante perceber que, segundo os referidos autores, em 26 desses países são castigados apenas os gays, não as lésbicas. Segundo Bortoni (2018), apesar das muitas conquistas e avanços que obtivemos em nossa história nacional, o Brasil é atualmente o país que mais mata homossexuais no mundo.

Tiago de Sousa Medeiros


REFERÊNCIAS:


BBC News Brasil. A história por trás da bandeira arco-íris, símbolo do orgulho LGBT.Abr. 2017. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39466677> Acesso em 18 jul. 2019.


BBC News Brasil. 50 anos de Stonewall: saiba o que foi a revolta que deu origem ao dia do orgulho LGBT. Jun. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-48432563> Acesso em 18 jul. 2019.


BORTONI, Larissa. Brasil é o país onde mais se assassina homossexuais no mundo. Senado Federal: rádio senado, mai. 2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-homossexuais-no-mundo> Acesso em 21 jul. 2019.


CASTEDO, Antía; TOMBESI, Cecilia. Mapa mostra como a homossexualidade é vista pelo mundo. BBC News Brasil, jun. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48801567> Acesso em 21 jul. 2019.


CFP, Conselho Federal de Psicologia. Nota do Conselho Nacional LGBT.  Brasília/DF, mai. 2013. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/nota-do-conselho-nacional-lgbt/> Acesso em 21 jul. 2019.


CFP, Conselho Federal de Psicologia. Resolução n° 001 de 22 de março de 1999.Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf> Acesso em 31 jul. 2019.


CRP SP, Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo. Psicologia e Diversidade Sexual. São Paulo, 2011, 91 p.


FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In:____. Volume VII (1901-1905). 4ª ed. Imago, 1.905, p. 77-151.


GREENHALGH, Laura; VIEIRA, João Luiz; NUNES, Lívia. Os punhos da justiça. G1: Época, dez. 2010. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI143347-15518,00.html> Acesso em 22 jul. 2019.


VIERA, Luciana Leila Fontes. As Múltiplas Faces da Homossexualidade na obra freudiana. Fortaleza: Revista Mal-Estar e Subjetividade: v.9, n.2, jun. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482009000200006> Acesso em 16 jul. 2019.

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